terça-feira, 20 de abril de 2010

ÀS VEZES BRINCO






ÀS VEZES BRINCO



Quando fui à Brasília para falar sobre a linguagem poética da literatura infantil na alfabetização fui levado para Taguatinga. Lá falei sobre o tema com um grupo de estudantes de filosofia.

Inicialmente, os jovens olharam com desconfiança, visto que o tema aparentemente nada tem a ver com filosofia, principalmente, inclusive, pelo fato de que os filósofos não tiveram infância, já nasceram adultos, como os deuses criados por homens nas mitologias.

Nos dias de Brasília, almocei e jantei na casa de Elóia Gomes e Jailton e fui levado para todos os lugares por Regina Franz, e dormi todas as noites na casa de um deputado amigo. 


Numa de minhas idas ao plano piloto com ele, ou seja, em seu carro, tive que seguir em silêncio, pois no trajeto ele só falava com o motorista sobre CPI e coisas assim, o tempo todo, a viagem inteira, só CPI, só política. Cada um fala sobre o que vive.

A lógica do poeta parece sempre estranha, pelo fato de ele só conseguir falar das coisas poeticamente. Essa é a sua linguagem,  a sua conversa. Ele só sabe dizer poeticamente.

O fato de dizer poeticamente o afasta do sectarismo. O poeta jamais será um sectário porque nele habita a abertura para o universo, o poeta é filho das coisas que existem. A sua abertura para o ser representa a sua condição de sugador da vida, é dela que ele extrai a sua liberdade.
 
O poeta naturalmente jamais entrará na estreita rua do sectarismo, como também não entrará na do dogmatismo, duas vertentes redutoras do homem.
Devido a sua abertura para o ser, a ganância pela expansividade universal do ser, o dogma é para ele o logotipo da redução da mente humana.
 
Por isso ele só sabe dizer poeticamente, pois dizendo assim ele é condenado pela sua expansão natural. E, com o seu dizer, assinala o seu modo.
Esse é o seu modo. Se alguém pede para que ele fale diferente, não consegue, pois tenta falar, escrever, sobre as coisas pelo viés literário.
 
Um texto acadêmico é algo diferente do seu modo, também um texto jornalístico. Falar poeticamente não significa impor verdades, muito pelo contrario, fica o signo da conversa, o dizer poético tem o sabor da conversa, ele se permite tratar de todos os assuntos, porque os assuntos quando tratados jamais serão transformados em tratados.

Quando percebi que às vezes a filosofia se vale da literatura para chegar ao leigo, segui em frente.
Quando estou aparentemente escrevendo sobre mitologia, na realidade estou fazendo literatura, estou dizendo poeticamente. Nem me atrevo a tentar uma narrativa mitológica, pois qualquer tentativa desembocaria no dizer poético.

Às vezes mostro algum artigo meu para um grupo de amigos, porém costumo colocar como autor um nome inventado, um doutor em pedagogia, coisa assim, e o texto rende uma discussão imensa, desencadeia uma discussão profunda e animada, principalmente se o autor for traduzido do alemão, do inglês ou do francês, mas o que importa é que seja um autor conceituado no mundo acadêmico e científico, mesmo que seja desconhecido pelos colegas de trabalho. Já fiz essa brincadeira...
Já levei um texto de um autor de verdade, mas com o meu nome, o nome de um simples colega de trabalho. Claro que desperta alguns interesses, mas a discussão geralmente é tímida.
O nome é importante, é a coisa mais importante em nossa sociedade.

Como vivemos numa sociedade  de anônimos, o nome passou a valer mais do que o conteúdo. Talvez a nometerapia tenha os seus princípios ou fundamentos validados.
O texto de alguém famoso, consagrado, produz efeitos benéficos consistentes e tranqüiliza a mente de quem lê, mesmo que o texto de um autor desconhecido seja profundo e tenha consistência, mas se não for de um consagrado, for de um colega de trabalho, perde bastante da sua força, pois a alma do texto parece que está no nome do autor. 
O texto de um desconhecido, de um colega de trabalho, do escritório, nem merece ser lido. É normal que seja assim.
Isso acontece em todos os setores. No mundo artístico é mais visível, mais notável. Talvez por isso artistas consagrados da música brasileira, grandes talentos, grandes nomes, fingem que não sabem, que desconhecem a existência de grandes talentos desconhecidos no país e nada fazem para modificar isso, pois acreditam que o povo só dá valor ao que já está estabelecido, ao que já é consagrado. E cada um segura o seu lugar.

Às vezes brinco com isso...
Desde criança olhava nos livros as fotos dos escritores, todos velhos, com suas longas barbas. Alguns jovens, mas morreram de tuberculose, em plena mocidade, e coisa assim.
E cresci com a impressão de que escritor no Brasil só fica famoso quando tem sessenta ou setenta anos e parece que nada produziu na mocidade, nada produziu quando tinha vinte e cinco anos.
Talvez as fotos de escritores tenham contribuído para um tal conselho popular de que devemos respeitar os idosos, como se não houvesse entre os idosos os canalhas. Não é a idade que faz o homem, por isso todo ser humano deve ser respeitado desde a infância. E não apenas por ser um idoso, pois como acabei de dizer, um idoso pode ter sido um canalha a vida inteira. Com esse aspecto, devemos respeitar o ser humano em princípio, mas um canalha é complicado.
 
Disse recentemente que o Brasil não conhece Chico Buarque. Ora, o Brasil não conhece nem o Brasil, nem o seu artista mais popular.

Não conhece, não tem na memória uma só canção do Roberto além das  que o ídolo quer que sejam conhecidas, por causa do seu medo de voar.
 
Fico pensando na maravilha que seria se o Brasil tivesse memória. Seriamos uma nação incomparável!

MARCIANO VASQUES

CASA AZUL DE PALAVRAS

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