domingo, 28 de novembro de 2010

O QUERER PEREGRINO






O QUERER PEREGRINO


“Qualquer mulher pode ser glamourosa. Basta ficar parada e parecer burra”. Assim falou a “mulher mais bela do mundo”, a austríaca Hedy Lamarr, que morreu recentemente, em 19 de janeiro de 2000.
Protagonizou uma das primeiras cenas de nudismo no cinema. O ano 1932, o filme, “Êxtase”. Fritz Mandel, o marido, quis evitar a exibição da sua nudez comprando todas as fitas. Não conseguiu. Mussolini não quis vender a cópia que tinha.
Gosto de lembrar um verso da poetisa Cristina Rosseti: “Ninguém nunca amou minha alma peregrina”. É o verso que me faz pensar nos presentes que se costuma dar para a mulher em datas comemorativas. O Dia Internacional da Mulher será num futuro próximo transformado em data comemorativa para presentes.O processo já acontece nos últimos anos. É sempre assim, ocupar espaços de reflexões é uma habilidosa inerência do sistema capitalista.
O presente é o do valor. O valor está implícito nele, é sua alma.O valor é a alma do presente! Uma caixa de bombons, um ursinho de pelúcia ou um jogo de panelas. Um jogo de panelas, por exemplo, o valor é o da cozinheira. Mesmo o que esconde uma lógica brutal causa felicidade.
A mulher se reparte em dons, namorada, mãe, etc. Geralmente é um manancial para os cultivadores de estereótipos. Como são férteis as mentes que se ocupam com a elaboração de piadas discriminatórias! São símbolos da usina machista de piadas.
Mulheres são mutiladas, o clitóris extirpado: vítimas silenciadas da estupidez da barbárie religiosa, as africanas deveriam comover e concentrar os corações e as atenções das parceiras européias e americanas. Toda mulher, cada mulher, devia (é mesmo uma questão de dever) se solidarizar prontamente com uma outra oprimida, mas a grande maioria infelizmente prefere erguer um castelo de sonhos, se acomodar num mundo no qual a sua opressão é invisível. São parceiras na opressão sem que o saibam.
É profundamente chocante o corpo despido, mercadoria exposta enfeitando revistas e produzindo muito dinheiro enquanto outros são mutilados no Continente - Mãe,  e meninas transformadas em prostitutas em campos e cidades do meu país. A mulher tinha que ser a sua maior aliada!
Um costume que predominou em tempos é o homem chamar a esposa de patroa ou santa. Em meus dias de infância olhava enigmaticamente para a mulher suspendendo o balde cabisbaixa diante do sarilho; esfregando os tacos do piso, as panelas, a vida, olhar perdido e distante no anil, as roupas no tanque de pedra e entre a poesia que se revelada nos varais e a curiosidade que me despertava, as patroas e as santas viviam fartamente os seus fardos revelando o espírito farsante das relações humanas.
E as conversas que eu ouvia nos bares me arrancavam precocemente da infância. Os olhos direcionados e fixos nos doces da vitrine do balcão, mas os ouvidos imprimindo as marcas que no impensável ano 2010 sacudiriam a estranha alma que só encontra um porto, a escrita.
É preciso muitas farpas e solidões para que uma mulher se liberte da condição de prisioneira e surja livre da opressão. Batalhar pela sua libertação talvez signifique o alargamento da compreensão da natureza, a ampliação do amor pelo fruto do seu ventre e a inquietude diante de toda vida cerceada.
Falo de milhões de seres oprimidos, seja pela hipocrisia das sociedades ou pela violência dentro de um lar. Mulheres querem viver e tal querer peregrina em cada porto, em cada parto. Não é o querer da patroa nem da santa, é o querer do ser que mais entende de companheirismo.
Homens se vangloriam de suas forças, costumam exibi-las, sentem - se até superiores por causa das forças que possuem. No entanto, a maioria jamais reparou na sua principal fortaleza.
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AUTOR: MARCIANO VASQUES

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