segunda-feira, 8 de agosto de 2011






SERES DE REGENERAÇÃO



Somos regeneração, permanente, cíclica, cotidiana. Somos assim como o rabo da lagartixa. Quem presta atenção nas coisas, no mundo, na novidade que é o mundo, também repara em nós um coração de aço, que não se abate nem se curva, ou bem dizer, se curva num jardim para colher flor. Novidade que se faz mundo. Novidade que renasce diariamente como se fosse alfenim encantando criança, nódoas esmaecidas de girassol pincelando o matutino, palavras como alecrim criando abraços e colibris.
Então, olhos cativos na novidade do mundo, no azulejo nosso de cada azul, sabem que somos como a cauda da lagartixa: renascimentos constantes, regenerações, uma fortaleza impressionante capaz de suportar atritos, indelicadezas, temores, traições, falsidades.
E a tudo sobrevivemos, e quando nem se dão conta, nos erguemos, e seguimos a nossa jornada, entre fardos, fados e sinas, quebrantos e rios, caminhadas ao léu, folhas deslizando no azul, e flores num tímido lilás. Poucos de fato conhecem a verdadeira valentia. A que resiste entre réstias de versos, rastros de sílabas que clamam, olhos úmidos e bocas secas na poeira que some.
E vamos em frente, persistentes, e cambaleantes. Talvez devêssemos estragar nossas corações com o rancor, com o melindre, mas seguimos na coragem, e ela, a coragem, sempre traz em sua bagagem dores de sobra para contarem uma história que se entrelaça nos corações que se aproximam e nos cercam.
E buscamos arrancar as gentilezas essenciais, e com nossas palavras jamais estaremos isentos, pois no aprendizado do ferir trilhamos com nossas armaduras, como se pudéssemos assim, senão ocultar, pelo menos ludibriar os nosso próprios fantasmas. E tecemos sonhos entre descasos banais. E cirandamos entre crianças e estaremos sempre a cerzir os sulcos de nossos rostos.
Mas quando pensam: “Ele caiu! Ela se foi! Desapareceu! Era tudo fogo de palha”. Quando pensam nonsenses e atrozes, como atrizes e arlequins nos erguemos no universal picadeiro da imensidão, e, olha só!, quem diria!, lá estamos a batalhar intransigentemente, com firmeza, com rocha dura no peito, mas infiltrada por flores, e assim, sempre com atenção, com doçura, mesmo que o riacho amargo desfile as suas turvas águas sobre nossos pés.
Somos fortes, ou somos frágeis, cultivamos azuis, cianos e turquesas, e águas esmeraldas num esmero gentil. O que somos mesmo ninguém ousa ocultar nem matar, pois renascerá, como sempre foi com o rabo da lagartixa. Corta, mas renasce. E assim vamos indo.
E assim vamos indo alvejando as horas em nossas palavras, em nossas letras, cravando nossos versos inseguros, nossos verbos compreensíveis e determinantes, no afã que modela o tórax, que nos faz melhor. No querer que nos enlaça, na balsa que atravessa nossos íntimos oceanos.
Sim, bem somos regenerações. Maltratar não adianta. O açoite não abala, pois só temos como guia a certeza de que tudo será sempre um ciclo, um ciclo que aperfeiçoa a liberdade e o amor, forças das quais não conseguimos nos desvencilhar.
Vendavais são ternuras. Alimento da alma.

MARCIANO VASQUES

2 comentários:

  1. "Cultivamos azuis , cianos e turquesas"
    Que texto lindo e profundo!
    Sim amigo, somos o rabo da lagartixa, os "Vendavais são ternuras . Alimento da alma"
    Luz
    Ana

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  2. texto magnifico, Marciano, a sair directo do coração! e sim, que sempre sejamos como o rabo da lagartixa!
    abraço.

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