sábado, 29 de outubro de 2011

ENCONTROS CASUAIS

—Rospo!
—Sapabela! Saudades!
—Como está, Rospo? Feliz?
—Sapabela. Descobri algo!:
—Diga, meu amigo.
—Se por acaso se sentir triste...
—Já sei! Vá Downtown!

RUPTURAS

 PNEUPOESIA

 RUPTURA


A cisão
Entre nossas vidas.
O atônito silêncio das palavras perdidas.
Os verbos machucados.
O Imprevisto corte
Brusco como a vida.
Medos ocultos nos falsos rochedos 
De minha alma,
Como o de te perder.
Não se perde jamais.
Apenas não se teve.
Mais do que as luzes decepadas,
Um vontade de não ser,
De caminhar nas calçadas
Sonhar com a tua fragância:
O quarto onde jamais estarei.


Marciano Vasques

VIDAS NOTURNAS

Vultos azuis num clarão,
Riscam meus pensamentos.
Passam pelo vitrô.
Estão lá fora:
Da terra brotou
Um bicho
à hora do almoço.
Uma rã salta em coreografias,
No exato momento.
AS águas e ondulam. o vento
Verga os capins.
Gafanhotos, tatuzinhos,
Joaninha, até a coruja!
Em alguns momentos cada um dorme
Um pouco.
Menos o grilo.
E eu.


Marciano Vasques

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A MENINA E O TEMPO

De lua,  menina em cabelos ao vento,
Correndo.
Que se entrelaça o tempo
Num rasgo de cirandas ausentes.

Na aromatização das casas
Pelos bolos de milho.
O café coado...
Meninos de olhares de brilho,
Abandono de trilhos, enferrujados,
Viagens para sempre adiadas.
Meninas crescendo,
Homens rasgando seus tórax de fumaça e cachaça
Em mil confissões de amor.
Pedreiros, borracheiros, vigias, zeladores.
Mulheres que partiram, vidas retorcidas,
Donas aprendendo a cerzir
No próprio olhar,
A dores da vida.
Moças  desamparadas.
Pais que nem sabem do que se trata
O sorriso da filha.
Mas ela, a menina, brinca num Adoletá
Numa fogueirinha
Zelando
O tempo que escoa.



Marciano Vasques

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

BAMBINA...

terça-feira, 25 de outubro de 2011

QUADRINHAS PARA SE TORNAREM POPULARES

 FLOR

Que adianta se fazer,
De flor preciosa!
Se um dia se revela,
Assim tão mentirosa.

Seduz, vai seduzindo,
Vai mentindo nos caminhos,
Ocultando aos amores,
Sua alma de espinhos.


O PRIMEIRO A SE MANDAR

Olhou e viu,
Além da cerca  farpada,
Do cume dos eucaliptos,
Lá, onde a lua faz cerão,
Onde as estrelas serão,
Mais do que brilho casual


Olhou e viu,
Lá estava o tempo;
Não estava mais.
Foi o primeiro
A se mandar.


Marciano Vasques

A FLOR DO APRENDIZADO

Abraço
Num chumaço
De poemas
Faz a alma se viciar
No vício de abraçar.

Abraço assim,
Jamais se esquecerá.
A flor, digo eu,
Que ensina o beijo ao colibri.
A Lua que enfeitiça
Coração apaixonado,
Que paixão não tem ciência!
Nem jeito de explicação.


Posso até dizer,
Se licença me conceder,
Que amor só de palavras,
Por palavras  levado há de ser.
Mas amor assim levado,
Sapeca, serelepe, ensolarado,
Não tem soneto forasteiro,
Palavras alheias,
Ousadias,
Que o levará.

O que alisa também corta,
O que adoça faz doer,
O amor ensina tanto.
Não ensina a esquecer.

No aprendizado do colibri,
A manhã há de tecer
Coisa que tem um nome,
O nome é Renascer.



Marciano Vasques


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

TRAPAÇA


Romance de romã.
Rimanceira
De rimar.
Era sim. Era sim.

Inventávamos-nos!

Ventávamos
Em bambuzais.
Corríamos.
O tempo,
Em seu fôlego,
Brincava de não voar.

Trapaceiro!
Só de brincadeira
Inventou uma saudade,


Que cisma de doer.


Pulsávamos!
Quando roubaste um beijo,

Que espalhaste
Nos quintais.
Poeiras, vendavais.
Chuvas e pardais.

Quem diria!:

A trapaça
Inventou
Saudade
Que não passa,



Marciano Vasques

CONVERSA DE ABRIR A SEMANA

—Rospo!
—Sapabela! Que saudades! Por onde andava?
—Acompanhando um barco...
—Como assim?
—Nada, meu querido. E você? Como está?
—Feliz!
—Algum aborrecimento, Rospo?
—Não. Sei até que alguns colegas de profissão ficam aborrecidos com isso, mas nem tive tempo para me aborrecer. Ando ocupado em ser feliz.
—Compreendo. E além do mais, aborrecimento enjoa, não é?
—Aborrecimento na verdade, é aburrocimento.
—Que coisa é essa?
—Burrice, Sapabela. O sapo permanecer aborrecido nem me parece um sinal de inteligência.
—Mas tem coisas que aborrecem mesmo.
—Eu sei, Sapabela, eu sei. Mas o interessante mesmo é ficar aborrecido ao saber do motivo aborrecente, e depois, logo em seguida, partir para outra, entrar de vez na alegria. Assim devemos ser. E você?
 Como vai você?
—Antonio Marcos...
—O que disse?
—Nada, lembrei de uma canção.
—Sapabela, preciso dizer algo importante, muito importante.
—O que será de tão importante assim, meu caro amigo?
—O seu vestidinho...
—O que tem ele?
—É lindo! Já era antes, mas agora em você, a beleza dele foi ampliada.
—Isso era tão importanre assim de se dizer, Rospo?
—Sabe que sim, Sapabela.
—Sei, Rospo! Hoje compreendo com clareza isso. Elogiar um amigo, apontar um detalhe no outro, ser gentil, levar em seu coração a cortesia, são deveras coisas tão importantes quanto estar atento contra todas as formas de injustiça, e de prontidão para se indignar contra a corrupção e os desvios de dinheiro público.
—Sim, somos um universo, uma globalização de sentimentos, e sendo assim, tudo se reveste de importância. Não podemos deixar de lado um só átimo do nosso Ser, e ele se manifesta no que queremos, e eu, quero sim...
—O que você quer, Rospo?
—Quero que a arrogância seja varrida do mundo, que os opressores sejam soterrados pelo desprezo dos sapos que ajudam a melhorar o mundo, quero tudo que acontece ao mesmo instante, agora e aqui e nos mais distantes lugares. Sei que chove e alguém bebe a jovialidade e a clareza que a chuva traz, e também faz Sol, e o Sol rejuvenesce e fortalece as flores do mundo. Quero tudo, e quero agradecer aos meus olhos por terem a chance de ver o seu vestidinho.
—Bravo! Mas sei que somos mesmo um conjunto em harmonia. De que adianta dar todo amor ao seu filho se mantém a indiferença diante da criança abandonada? E sei que tudo se reveste da mesma importância quando habita o coração. Mas só seremos completos ao ver as coisas todas que acontecem ao mesmo tempo de nossas vidas. Se vislumbrasse o meu vestidinho, mas ignorasse ou desprezasse os que vivem na aflição diante das injustiças, você seria um sapo incompleto.
—Sapabela, aplaudo! Mas não vai falar nada de mim? Nenhum elogio?
—Está querendo, não é, Rospo? Pensou que me esqueceria? Pois saiba que amo as camisas azuis que você usa. E até os grisalhos que estou vendo nos seus cabelos que rareiam.
—Tudo bem, Sapabela, mas não precisa ser tão específica. Meus cabelos estão cada vez mais viçosos e vigorosos. Fiquei feliz ao saber que gosta de minhas camisas azuis.
—Sapo é bobo. Por acaso, precisa fingir que não sabia?


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 —  694

Marciano Vasques


domingo, 23 de outubro de 2011

LICOR

 LICOR


Não caso com descaso
Só caso com você

SOB AS LUZES DO SHOPPING

 SOB AS LUZES DO SHOPPING

Enxuguei o  poema e fui ao shopping.
Pessoas sorrindo...
Posso até ser um fantasma alegre.
Mero espectro em azul, 
Mas fui.

RODAMOINHO

Certas coisas só com parcimônia.
Quase tudo, mas nem tudo.
Engorde apenas o suficiente.
Se o  casamento se desacalentou,
Desacasalamentou-se
Seja casado com altivez.
Deite no sofá
Veja o futebol
Faça tudo com parcimônia, mas nem tudo.
Entre no centro, esteja no centro
Do rodamoínho,
E se na madrugada
Um poema
Cutucar
A sua alma,
Sem cerimônia
Não aspire amônia,
Ao contrário
Acate a insônia.



Marciano Vasques

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O ENCONTRO ENTRE ESQUECIMENTO E FLOR VIÇOSA

Esquecimento passeava num jardim
E avistou a mais viçosa flor

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

NA VENTANIA

Quisera tempo
Para pensar no amor
Juro que eu me safava
Dessa longa dor.

Juro que eu me levava
Para outro laço
Outras promessas,
Outro embaraço.

Outro colo, outra paixão
Outros carinhos
Outra solução,
Outros espinhos.

E me aventurava
Na ventania de ilusões
Que faz renascer o amor
Em outros corações.


Marciano Vasques

CIGANOS



Orvalho de sereno
Madrugada aberta
Ribalta triste
De almas gotejantes.

Num verso oculto
Nos beijos ofegantes
No teu doce vulto
Que cerzia instantes.


Nas derradeiras luzes
De um circo aceso
Revejo tua saia,
Teu riso de promessa rasa

Quero voar sem asa
Voo de trapezista
No trapézio do tempo
Que me acalma por dentro
Que me dissolverá
A tua falta, amor.


Levar minha lavra artista
Aos que refazem
Manhãs perdidas
Nas calçadas  pulsantes.



Marciano Vasques

ACONTECE

A vida que acontece é um conto que se tece. Um conto ligeiro. Diga-se de passagem. Depois que ela passou, não se pode mais dizer, nem contar.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

PESSOAS IMPORTANTES NUM ENTARDECER


Entardecer é uma coisa de tecer, também, viu?
Precisa mergulhar para compreender cada dizer, moço.
Mas que tem arrogância demais tem. Tem um tanto de poesia e graça no mundo, isso tem, mas arrogância também.
Não precisaria dizer isso que vou dizer, mas é tanta desatenção...
A mulher que faz o bolo ao entardecer e  o aroma do bolo vaza pelas frestas da casa e atinge aos que passam na rua, isso, moço, é um sinal, entre tantos, de que naquela casa tem uma pessoa, que é muito importante.
Pensa nisso não? Só quer coisa gigantesca? O avião que foi feito e voa para a gloria de uns meninos que ainda varam quintais e enlaçam poeira e fumaça nas perifeiras do mundo? Toda a informática do mundo? Os edifícios? Ora, moço! Matute bem, que não dói. Pense: Argamassa, alicerce, tudo isso brotou do nada, foi? Tá transbordando de gente importante. Por isso, pare de frescura! E acione o milagre da atenção, que vai se sentir mais leve e bonito. Não seja uma tolice ambulante com a sua descortesia. que tá repleto de gente diplomada que não adianta nada.
A operária caseira que tece uma blusinha para a bonitinha que só quer pular corda, e doces, e brilhar de olhos felizes: que pensa que é essa mulher, rapaz? Quem se ajeita para, com bolos e doces caseiros e ainda de solavanco com histórias e cantigas dos ancestrais, esbaldar esses miudinhos que fazem o colorido dos vilarejos; essa gente!, o que pensa dela?
Se abre o  jornal e acredita que importantes são apenas os deputados, os governantes e os poderosos do mundo, os atletas milionários, está muito enganado, moço! Está tão redondamente enganado que é até perigo de seu próprio engano esganar a sua consciência, pois parece que a memória já  foi aviltada, machucada, não é?

MARCIANO VASQUES

NO VILAREJO

Lá ia ela. Escapulia pela janela, deixava - me na vidraça aventurando - me ao peitoril num avental de sonhos, partidas e retornos. Quando a via descendo a rua de barro vermelho, saltando valetas esmiuçadas em meu pensamento de riachos anilados, indo ao armazém, e rente ao balcão luzindo a si mesma na alta prateleira de vinho, aplaudindo risos ciganos, almas portuguesas nos clarões do vilarejo...

terça-feira, 18 de outubro de 2011

TESTAMENTO (1)

TESTAMENTO (1)

Dizia ela que "A língua é o chicote do corpo". Sua sabedoria residia nesses pensamentos, recolhidos durante a sua vida, e que gentilmente nos ofertava, junto com a polenta, a rabanada, o odor do talco pela sala, a ternura caseira. Então esticava a minha imaginação, e estendia na grama de quarar lençol lá do quintal, e eu ficava na vidraça da janela quando era noite, tentando ver um flutuante vulto enluarado riscando entre os galhos. Podia dormir tranquilo: sabia que a minha imaginação estava solta.

Marciano Vasques

UM DEDO DE PROSA

—Quer um dedo de prosa, Rospo?
—Que é isso? É muito pouco!
—Que papo é esse, meu amigo? Estou sem tempo. Sabe que quando tenho tempo é uma légua de prosa, agora, infelizmente é só um dedo de prosa. E um dedo de prosa dá até para ouvir um "causo". Que mais queria, meu querido? No que está pensando? Em biscoitos de polvilho? Em licor de anis? Em...
—Eu? Não, quer dizer. Um sorvete ia bem.
—Eu sei, meu amigo. Mas agora, neste momento, devido ao fato de que estou mesmo sem tempo, só temos um dedo de prosa.
—É que uma sapa assim vem falando de um dedo de prosa já fico meio frustrado. Num dá nem tempo de elogiar o vestidinho. E você sabe, isso faz parte.
—Eu sei, Rospo, mas está muito pedinte hoje.
—Só quero prosear.
—Compreendo, conheço sua conversinha, seu papinho, quando começa com essa lenga-lenga.
— !
—Ei, fique jururu não, fique não acabrunhado,  estou só brincando.  Quem tem um dedo de prosa na pressa, sabe que tem um mundo em si, e quando o tempo for de se esbaldar, a prosa vai prosear até ficar de mel e garapa no coração.
—Sapabela, boniteza de qualquer ângulo.
—Rospo, não se avexe! Deixe de lado o que causa tristeza e siga, que sabe tanto quanto eu: prosa prende e causa encanto, e quem fica no encantamento só quer prosear.
—Está certo, minha amiga. E com você aprendi...
—Aprendeu, Rospo? Diga o que é, que quero saber.
—Aprendi que um dedo de prosa com uma prisioneira do encanto já vale léguas e léguas de espera. E  se um dedo de prosa parece pouco pra dedéu, só parece, pois o pouco, no caso, é um conceito abstrato de quem não aprendeu a valorizar as coisas que realmente são.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 693
Marciano Vasques

LINO E ADELINO

NOVO LIVRO INFANTIL NA PRAÇA!


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

BARCOS

O DESVIO


Talvez por menos leveza,
Por ser mais denso o meu casco,
Resisti mais tempo, e custou-me, 
Confesso agora, 
De ti desviar a minha rota.

domingo, 16 de outubro de 2011

BÁRBARO IDIOMA



Bárbaro idioma!
Com ele digo amor.
Pronuncio a mulher que amo.
Grito alegrias como se fosse um menino
Ao vê-la na multidão.

Bárbaro idioma!
Com ele canto a mais doce cantiga
Para a menina
Que adormece
E oferto Indignados verbos,
Afiados, cortantes,
Contra os que abandonam animais
E machucam crianças.


Bárbaro idioma!
Com ele digo fúrias.
Ciúmes e iras.
Faço temporais.
Soletro vendavais.

Bárbaro idioma!
Com ele digo tolices
Quando magoado.
Bebo a indiferença
Grito contra ditadores
Alerto contra opressores.

Com ele declaro
O mais puro amor
E a amizade.
E digo ao vento
Que a voz de quem amo
Na ausência ferida
É a doçura
Que enfeita
E acalenta
Meu sofrer sem sentido.



MARCIANO VASQUES


ESQUECE NADA, PASSARINHO!

Pode um homem viver sem sua mulher? Perguntou o passarinho ao espinho, só para lembrar um conto.
Um conto que chorei numa Sala de Leitura, e tavam aquelas pessoas, impregnadas de Paulo Freire, de Jorge Amado, de Gonzação, que ela só pensa, só pensa em namorar.  Será que alguma delas se lembra, uma só daquela gente daquela noite do canto do espinho e do passarinho? Sei não! Hoje tá tudo farto de esquecimento. É tanta fartura de esquecimento, mas será que nem aquela moça que foi embora para Pernambuco? E tem mais, interromper um conto por causa das lágrimas, é culpa do conto.
O que é uma noite de conto de cotovia nesse montão de noites? Dê corda para menina pular, dê carvão pra riscar amarelinha, dê anel para passar de mão em mão, faça só o que é da sua obrigação, e vai ver como a vida vai florescer numa felicidade só, mas não quero me desviar da pergunta do passarinho.

Pode não, um homem não pode viver sem sua mulher. Ninguém pode viver sem o abraço do outro, e eu fico às vezes em todos os tempos pensando: O que seria do homem se não tivesse mais a mão da mulher que ele ama passeando em seu rosto com a suavidade que só ela analgésica pois nasceu para analgesicar as dores do caboclo? Quero dizer assim: meu rosto tem barba, eu sei, é para o vento, as agruras da vida, para as intempéries, os temporais, mas ele foi feito para a mão da mulher amada, não é? Eu não me canso de não dizer, pois nem é preciso, mas quando chego em qualquer lugar sei que meu rosto necessita da mão da mulher que amo, é assim também com meus ouvidos. Pode um homem ouvir todas as canções que o mundo tem, mas já pensou se ele não pode ouvir o timbre da voz da mulher que ele ama?
Assim, quero dizer que a mulher é uma bobona se pensa que vai ser esquecida. Até pode, mas antes vai doer tanto! A verdade é que ela jamais poderá ser totalmente esquecida. Ela não entra nessa fartura do esquecimento que falei. Da mesma forma que não se esquece o aroma do doce feito em casa na infância,  que não se esquece o perfume daquela flor, que nem nome mais tem, pode ter sido dália ou jasmim, só importa é que foi flor que perfume deixou.
O homem não esquece a mulher do amor; se o sujeito diz que esquece e não quer nem saber desse papo de amor, pode crer, é um simulacro de coração o que ele tem no peito.
Mas é errado dizer que tudo gira em torno da mulher. E nem é uma coisa de ficar idealizando, poetizando, glorificando. Não é nada disso. Se você não entendeu, dá licença que quero um vinho, para me aquecer. Eu estava falando da vida, do amor. A culpa é daquele passarinho que me perguntou.
Vou indo, não precisa nem atabaques nem viola, nem apito de navio, nem neblina nas docas, só vou indo... 
Prestar mais atenção em passarinho perguntador, não.


MARCIANO VASQUES

MENINO, VARANDA, AVÓ

MENINO, VARANDA, AVÓ

Alegria alegre no meu coração brincou,
Fiquei desconfiado
Que fosse uma felicidadezinha.

E o tempo me falou
Que era mesmo a tal.
Ainda bem que não bobeei.
Bobeaste tu?

O Sol aqueceu
Meu coração que guardava segredinhos
E segredões
Para quando eu crescesse
E um escritor
Pudesse ser,
De alma de cigano,
Tipo o do livro de pano.

O "sol" que se achegava
Era um fiapinho de calor
Na manhã avarandada.

Sorri!
Que anunciem os tambores!:
Um menino sorriu!

Sorriso serelepe,
Que seja,
Acanhado
De acanhamento
De apaixonado
Pela professora.

É que aquela moça
Não saía do pensamento.
E já que a vida era um caminho suave!...
Ter uma paixão para pensar na hora do café com pão...

Sonhar era uma cortesia da vida
Que se esbaldalva de viver.
Eu não perdia o tempo de correr
No riacho de girinos,
Nos raios que se infiltravam
Nas folhagens,

Para recolher
Essa dona vida assim tão cortesã.

Sorri!
Olhei para tudo,
E tudo era meu.
As folhas dançando,
Balançando
Na infinita gangorra
De nome tempo.
—Deixe o menino brincar na varanda
O tempo que ele quiser!

Essa sabedoria é só de avó.

MARCIANO VASQUES

sábado, 15 de outubro de 2011

BARCO

Vê aquele barco a deriva? Lá vai ele, nem sonha em temer as ondas que virão, os novos temporais, e tem uma paixão pelas espumas do mar!, que se pudesse levava em seu coração o oceano inteiro. Vê? Lá vai ele, um barco, na perplexidade de seu casco, lá vai, trepidando, balançando, derivando de si a dor de ter sido em seu coração. Um barco, o que é afinal? Lá vai, diriam, é um barquinho de papel, é o vulto de um navio ao entardecer quando o ocaso explode nos mistérios do porto. Que sei eu da vida quando aponto aquele barco que já some no horizonte?, quando a sua presença se mistura nas águas a tal ponto que não se sabe mais o que é barco e o que é mar.

MARCIANO VASQUES

DARLING

IDIOMA MAIS DOCE QUE DOCE DE ABÓBORA

IDIOMA MAIS DOCE QUE DOCE DE ABÓBORA

Eu sempre apreciei inventar palavras,
E até digo que nunca tive educação,
Pois jamais pedi licença ao idioma
Para inventar uma palavra nova.
Estou me alembrando
Que estava num alambrado
Lá nas pontas da minha várzea
E ameaçava uma chuva da boa.
Êta, que alegria!
Já havia uns relâmpagos azuis — que tá louco!
E toca correr menino, Corre Cotia!
E zarpávamos varanda que parecíamos vultos,
E varanda era obrigatório, por causa das conversas
E das histórias, mas isso é outra história,
Que aqui só quero dizer
Que adorava inventar palavras
E nunca pedi licença,
Até que descobri
Que o idioma se faz e refaz
A cada amanhecer
A cada conversa
A cada alumiar
Que seja de lampião,
Ou de luz fosforescente.
E toda vez que uma gente nova
Vem se aproximando
Já tenho garantido
Que palavra nova vai se inventando...
E o idioma?
Bobo quem pensa que se atrofia,
Pois ele vaga, flutua, voa, se espalha,
Numa incomparável alegria.

MARCIANO VASQUES

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O LÁPIS VERMELHO

Oal Aul Ial Lá estava eu, quem diria, com ele em minhas mãos. Entre tantas coisas tão importantes, como o pião, as bolinhas de gude de translúcidos verdes e azuis de pedrinhas iguais aqueles olhos.
Aquela menininha que segurava em minha mão na "O cravo brigou com a rosa", e agora, já homem sei porque os olhos já marejaram nessa cantiga mais de vez.
E eu, que já havia sido tudo: um palhaço de circo de quintal, o mocinho, o bandido, o índio, e corríamos e as palavras iam surgindo aos montes, em nossos corações, e então, porque se fizera assim tal menino, as palavras quando chegavam já iam direto para o coração. 
E nos escondíamos atrás do anis, do poejo, já falei dessa miudeza toda. 
Estou me arriscando escrever direto aqui pois está ameaçando chuva forte e até já andou trovejando, e se faltar a energia elétrica tenho receio de perder tudo, mas vou em frente. Então vou para o Blog, é mais seguro. É uma casa azul, não é? Com alguém que já está na janela.
Pois então eu ficava bobão mirando para ele, e falei das palavras, e elas vinham aos montes: romã, rã, mamona, mas naquele momento eu esquecia todas elas, porque não era um momento de palavras. E se pudesse laçar cada momento desses que passaram!, que não eram momentos de palavras. Como eu ficava com os olhos de nuvem diante da menina que eu queria namorar. Sardentinha, vestidinho, um anelzinho de vidro que ela exibia demais. Meu Deus! Mas eu estava lá, com ele, em minhas mãos. Hexagonal, um lápis tão grande, tão bonito, que lindo era! O meu primeiro lápis de cor, um lápis vermelho. Eu nem sabia como segurar um lápis assim daquela formosura e encanto.
De tudo que me encantava, começando pelos gibis e as manhãs nas trilhas dos eucaliptos, e ver sempre uma menina tão linda, que passava e nem sorria quando era perto do portão mas lá na ponta da rua ela se virava e acenava com um dos braços dando Tchau, e  era de lua africana nos cabelos, era toda áfrica aquela menininha e nunca soube ao certo se era um truque de fada africana que a mandou só para embelezar mais aquela rua, e outras tantas coisas que encantavam, pois o que mais tinha era encantamento, era diferente, não tinha esse prazer de ficar dedilhando joguinhos, era uma coisa viva. Se o tempo era melhor? E eu sei lá! Isso tem que perguntar pro tempo. O que sei é que naquele dia, que era frio, e então, para ficar tudo mais bonito eu estava resfriado, pois não obedecia e isso agradeço muito quem fingia que eu obedecia e então lá estava no caule da goiabeira e varando ventos e capinzais zarpando no vento frio que era de tremer, e na chuviscada até que não tinha jeito e entrava em casa, naquela casa rica de folclore.
Mas quero falar dele. Ele, de madeira, a madeira da árvore, que nos acompanha vida toda, e até naquele dia, que agora é melhor afastar pensamento e falar dele, não só da formosura, que isso nem precisa dizer, pois todos sabem, ou deveriam saber que um lápis é a coisa mais bonita que tem na mão de um menino, inda mais um lápis vermelho todo geométrico. Quero é falar da felicidade, essa coisa que sempre surge e adulto nem sabe direito o que é, e ela é feita de momentos, de riscos, de traços, tudo coisa passageira, mas vale tanto, meu bem...
E ele estava lá, em minhas mãos, e eu apertava forte para que ele não escapasse. Que lápis maravilhoso! Como me arrependo por não ter guardado nem um pedacinho dele. Já pensou?
E foi assim. Nada importou mais naquele dia. Nem a nuvem de tanajuras, nem os gansos fazendo escarcéu nas ruas, nem os alaridos das crianças, nem sequer as histórias com rabanadas ou bolo de fubá. Nada, só ele. Lindo, dono de minha alma. Ah, se essa alma tivesse sido desenhada e eu colorisse com ele!
Mas acho que fiz isso, sem saber, afinal menino é uma estrutura maravilhosa. E como me lembrava que eu o beijava naquele dia de tão feliz que estava, lápis vermelho, hoje, um beijo. Faz bonito com as outras crianças,


MARCIANO VASQUES

NO BANCO SURREALISTA



Rospo está lendo o jornal na praça. Espere um pouco! Isso é apenas uma impressão. Na verdade, ele está ouvindo uma das conversas surrealistas que só acontecem naquele banco. Pois bem, no banco do surrealismo, um casal discute, e Rospo, naturalmenre, espicha o ouvido.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

ALMAS SECANTES

Tá tudo secando. Aquelas almas todas. Dá só uma espiada, moço!
Tem almas até na cerca de arame farpado,
Tem almas quarando,
Torricando...
Também pudera! Tudo mulheres maltratadas,
E homens explorados,
Até tirarem a última gota de suor, sangue e dignidade do sujeito.
Isso acontece —Chega mais pra ouvir — isso acontece nas fábricas. Então, essas almas todas desaprenderam de chorar.
Tem umas mulheres bobas que só querem homens valentões, e o bobão faz essa valentia para mostrar que
tem algum poder.

Pobres homens, infelizes mulheres...

Mas valentia mesmo, de boa, autêntica, é aquela daquele caboclinho que tá se achegando na moça com lua prateada nos cabelos.

Ele tá propondo para a enluarada de andar na chuva, sem travesseiros, nada, só na simplicidade de viver. Isso sim é travessura da boa.
Depois a vida acontece naturalmente. E quando acontecer esse tecer...
Como a vida é curiosa, moço!
Deixe não essas almas secando. Faz alguma coisa! Rabisca uns versos.


MARCIANO VASQUES

UMA NOITE MEMORÁVEL!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

ESQUECIMENTO

RETALHOS

Queria ir embora para um lugar onde pudesse sentir o despontar de um rio. Fincar meu coração nesse lugar. Sentir o afago do vento nas folhas alisadas pela memória viva do meu pensamento.
Caminhar pela calçada orvalhada. Ter a consciência clara e limpa de que chegou o tempo de esquecer.
Queria ofertar o meu coração para a paz e a harmonia, viver no esquecimento, reaprender o prazer de abrir um poema avulso, de olhar para as coisas que passam em delicadeza e assombro.
Queria ser um homem em harmonia com o esquecimento, numa pausa de simplemente caminhar nos meus mais íntimos sonhos, num deleite que não se deleta, numa incorporação de palavras sinceras, de dizeres puros e azuis.
Chegou o tempo do esquecimento e eu o assumo. Sei que fui muito mais do que poderia sonhar nessa ganância de amor.
Receberei a solidão mais sincera, autenticada no aroma do pão, nas fagulhas que contracenam com fogueiras em meu tórax.
Quero ser lembrado como o homem que esqueceu. E quando eu já tiver esquecido, quero despertar e encontrar num sorriso claro de mulher um retorno outonal.

MARCIANO VASQUES

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ENTRE CONVITES E CONVITES

—Como a semana está demorando a passar!
—Sapabela! Hoje é segunda-feira!
—Amanhã não é sábado?
—Não, minha lindinha. É terça.
—É mesmo. E então, Rospo, como vai você?
—Muito bem, e estou feliz. E você, pelo jeito também.
—Estou demonstrando felicidade?
—Os sintomas são visíveis.
—Sintomas? Isso não é coisa de doença?
—Veja Sapabela. O seu vestidinho, essa expressão facial de sorriso, essa cadência no andar.
—Sou uma sapa, né, Rospo!
—Verdade. Como me encanta o andar cadenciado de uma sapa. É um de seus tesouros. Só a sapa tem tal cadência.
—Que mais, Rospo! Que mais? Quero saber.
—Ora, Sapabela. Você já sabe, e muito. Mas quero falar da sua expressividade da felicidade.
—Tem certeza de que estou mesmo feliz, Rospo?
—Tenho. A felicidade está no ar.
—São as escolhas da vida. A cada nova escolha a felicidade vai tomando forma.
—E qual foi a sua nova escolha, Sapabela?
—Libertar-me. Sinto-me feliz por sentir o gosto da liberdade.
—Do que se libertou, Sapabela?
—De algumas inseguranças. Compreendi que a sapa não pode ser insegura. Ela não pode vacilar. Tem que ser firme consigo mesma.
—Sinto por você uma admiração profunda, Sapabela.
—Eu sei, Rospo. A admiração é o aceno do amor.
—Não entendi.
—Mas vai entender. Agora, pense no mar azul, sempre azul.
—Estou pensando, minha amiga. Você me leva ao mar, sem sair do lugar.
—Rospo, é curioso. Milhões de sapos estão no mundo nesse exato momento tentando ajustar as formas da amizade, e muitos já compreenderam que é o maior investimento na vida de alguém. Com a amizade, um sapo não precisa temer a felicidade.
—E alguém, por acaso, vai temer a felicidade?
—Ora, Rospo! Muitos sapos preferem a tristeza, a sombra, pois a felicidade ressalta o ser, destaca, e isso causa ciúmes e inveja.
—E você se importa com isso, meu bem?
—Eu? Eu quero é mais cultivar as minhas amizades, e gosto de começar logo na segunda. Que tal um cinema hoje à noite?
—Já aceitei! Deixe-me retribuir.
—Retribuir?
 —Claro, convidado convida.
—Já aceitei.
—Mas nem convidei ainda!
—É um sorvete, não é?
—É o meu convite.
—Rospo, encontrei um poema novo de Ferreira Gullar. Quero que o ouça. Vou recitar para você.
—Aceitei o convite, Sapabela.
—Que convite?
—Convite para enriquecer a minha alma.
 —Então, vamos, caro amigo. Sorvete, poesia, tela. E viva a Segunda-Feira.
—Pois é, Sapabela. A segunda está além do expediente.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011  —  691

Marciano Vasques

sábado, 8 de outubro de 2011

FRAGMENTOS AZUIS

FRAGMENTOS AZUIS

Você deixou o vento para cortar o meu rosto. Mas estou sobrevivendo. Aqui, ancorado, num lugar ermo, onde a cada anoitecer eu mais me desnorteio. Como é fácil dizer Adeus! Mas estou sobrevivendo, e essa é a rara beleza, a rara força; o Ser é como a figueira, morre, seca e renasce. E nesse secar e renascer está o infinito mistério da vida. E aqui estou, na contribuição de almas que nem conheço, algumas se fazem luz, e vou tocando em frente. Procelas, ventos impiedosos, poeiras impossíveis, fumaça. Rodamoinhos que encantaram meus dias de meninice agora são turvos vendavais a me arrastarem para uma melancolia contra a qual bravamente luto, pois bem sei, tristeza nos enfraquece. E nessas batalhas, a agonia perderá, pois o Ser é feito para a alegria.
Tudo para me fazer desistir, afastar-me de um seguro cais. Sou mais forte do que pensava, sou mais frágil do que poderia sequer imaginar. Mas estou aqui, íntegro, mesmo recolhendo meus fragmentos. Sei que amar é um triúnfo, e jamais, um dia sequer, irei me arrepender por ter amado, e por ser assim, feito de amor. Já pensei em viver de forma usual, sei que não conseguiria, iria explodir de solidão diante da TV vendo partidas futebolísticas, não que tal alegria não seja também necessária, mas não me imagino apenas jogando dominó, ou jogando conversa fora, aliás, jogar conversa fora é mais que desperdício, é até um crime. Estou aqui. Sei que, bem disse alguém numa canção, o amor renascerá em outros corações.

MARCIANO VASQUES

ANTES DE ENTRAR NO CINEMA



Rospo e sua querida amiga passeiam na noite de Sábado, quando ele começa a tocar uma conversa.
—Sapabela, andei lendo num Facebook uma história falando de "morrer em Santos"...
—Preocupado, Rospo?

UM TECO DE LITERATURA

Alguém disse: perdoe os meus erros. E alguém respondeu algo que não ouvi direito por causa do marulho das ondas espumantes, e também permaneci sentado na areia gravetando meus pensamentos e riscando alguma palavra avoada.
Se não me engano demais, o outro alguém respondeu que não se julgava no direito sequer de nos erros dela pensar, visto que esses erros não tinham para ele ne
nhuma importância, mesmo porque, isso eu ouvi bem, ele tinha um estoque de amor no coração que dava para cobrir isso tranquilamente. E além do mais, o acúmulo de erros dele ganhava de longe.
Isso foi tão bom eu ouvir que até pensei numa dose de algum licor, bem gelado, claro, pois o sol estava prometendo.
Então ele e ela foram caminhando e se afastando e eu não ouvi mais nada, mas fiquei imaginando...

SANTOS

Ressentimentos, como aqueles corações armazenavam ressentimentos, mas também, saudades, agonias de saudades, vontade louca e repentina de amar, de buscar corpos, de deitar a mulher na areia. E donas, de se entregarem de corpo e alma ao peito do homem do coração, e estavam lá, aquelas pessoas, aquela gente. Vento cortando almas como chicotes luminosos, cortando águas, implorando oceanos, temporais castigando, deixando marcas e cicatrizes e sulcos em cada rosto, e uma alegria de bom-dia de aroma de pão quente, de leite, de menina molhando chumaço de pão no copo de café, e por favor, jamais um homem falte o respeito com uma menina, e os trilhos da ferrovia, e o trem era um esboço azulado, aquelas nódas indefinidas eram vagões que deixavam o túnel da serra trazendo corações encharcados de histórias, de amores, de separações, e fotos amarelecidas que a menina mandou, um compadre, a mulher que não suporta a saudade e alguém mandou cartas, algumas com batom marcando lábios, e outras de garranchos, mas o menino pedindo a benção, e toda aquela gente despejada na ferroviária, e o tio está lá no meio, aquele de chapéu azul bem claro. Onde? Olhe! O Montserrat está todo iluminado! Que vai ter nesta noite de tão especial? E Rosema Branca, e Arlete, e aquela gente só sabia ser feliz, e no meio da dor cozinhavam, e costuravam e jogavam bilhar, e almas aprisionadas nas docas ao final de cada entardecer voltavam correndo para os seus cadarços de amor, e abraçavam suas mulheres com tal ferocidade, com tal animalidade que o amor explodia no cais, e nas ruas de céu refletido nas poças de água, e se amava muito mais.
E falava-se o Tu com tanta clareza e gosto, e o feijão preto, e as luzes numa sonoridade de ondas que invadiam cada ser com tal força que só havia uma alternativa, compreender que ali era Santos, em seu inexorável tempo da memória.
E algumas pessoas decidiram que jamais subiriam a serra. Outras, erraram e foram para São Paulo, e um ferroviário enlouqueceu ao ver uma flor azul na serra e gritou o nome de Rosema Branca, mas estava influenciado pelas conversas que ouvira nos bares do porto. A história era repetida diariamente na hora do almoço por aqueles homens de almas estraçalhadas e corpos explodindo de desejo por suas mulheres.
E Marinha passeava nas ruas com brinco bonito de pedra amarela, e vestido azul para combinar, nunca soube ao certo o que era para combinar, e lá ia de talco e Cashemer Bouquet, e lá ia, como iam as mulheres e as moças, e Helenice preparava moqueca de peixe, e um dia, que coisa horrível, os políciais giravam um rapaz contra um poste até que... e não era o melhor dos tempos, mas havia uma fonte de poesia para quem quisesse recolher, e sobre o ferroviário enlouquecido, é que cismou que a imensa flor azul lá da serra era a doce criança Rosema Branca, pois o que se dizia com convição nas mesas era que algo tinha acontecido com a menina.
Eu sei que nada será como antes. Mas quero morrer em Santos. precisamos sempre retonar às nossas próprias origens. O eterno retorno existe sim. Todos os que disseram isso, todos, a começar por Campbell, se ele disse tal coisa, mas o eterno retorno existe sim. E é nele que temos que nos posicionar. Por isso só me resta a alternativa de descer a serra. Não para morrer, pois isso será no tempo que virá, mas para andar, simplesmente, caminhar pelas ruas, na simplicidade e com paz no coração, e procurar avistar só com meus olhos de enxugar águas, as almas que assoviam nos passeios de Santos, e que o vento liso da brisa leva e leva...
Quem pensar que isso é nostalgia, só saudades, tá mais errado e é bobo de alma, pois é literatura.

MARCIANO VASQUES

ÀS VEZES

Às vezes, num relacionamento entre duas pessoas, o melhor é fechar a boca e abrir o coração.


Marciano Vasques

O BARCO

O BARCO

As vicissitudes, as intempéries, e lá estava eu, onde ainda estou. Sinto o frio que vem das águas que se agitam, e ás vezes o morno , o alento dessas águas, verdes de uma clareza que me impressiona, eu cá, em meu canto, já até começando a afundar parte do meu casco na areia.
Sou mesmo esse barco. Veja como o meu azul foi açoitado pelos tempos de ventos duros e impiedosos. Repare em minha proa. O desgaste é natural, pois o abandono assim procede. Quantas estações! Talvez seja da nau essa condição de sazonar. Mas parece que nem quero mais me afligir. No fundo considero toda aflição abençoada. Nossa! O que estou dizendo? É melhor eu ficar aqui calado, só observando o mar. Estou aqui, e quem quiser, pode ver a minha alma. Tudo tem alma, o livro, eu. Se duvida, olhe como estou. Vela? Velas ao vento? Não, estou aqui. Se quiser, se aproxime.
Mariscos com seus riscos na areia, rastros de astros numa colisão de espumas numa noite que se vai. Mas estou aqui, recolho e bebo o frio, e já sorvi todas as madrugadas, e não perco a vontade absoluta de aglutinar em mim as noites que só nascem para enluarar os corações, os aflitos de amor, e os que navegam na serenidade de um barco em plenas ondas que causam círculos na mansidão das águas não moventes. Eu nunca quis ter escudo. Sempre me orientei pelo anseio de escadas. Espere um pouco! Não fale essas coisas de navegar. Minha alma está se acomodando. Está esperando que alguém conserte algo em mim. Não que profira, nem preciso de alguém proferindo nada, apenas sussurando para que eu possa adormecer na quentura de uma voz de analgésico. Alguém que apenas zele.
Porém, o que vejo? Uma mancha branca, um chumaço de algodão que risca o azul? Mas é uma gaivota! E vem se aproximando. Como é linda! Certamente pousará na areia. Não creio que irá se importar com um barco. Espere! Ela está vindo! Vai pousar em mim? Não, não faça isso! Para que isso? Pousar e depois ir. Depois de você o que serei eu além de um barco gaivotado de saudades?

MARCIANO VASQUES

Pesquisar neste blog