sábado, 8 de outubro de 2011

O BARCO

O BARCO

As vicissitudes, as intempéries, e lá estava eu, onde ainda estou. Sinto o frio que vem das águas que se agitam, e ás vezes o morno , o alento dessas águas, verdes de uma clareza que me impressiona, eu cá, em meu canto, já até começando a afundar parte do meu casco na areia.
Sou mesmo esse barco. Veja como o meu azul foi açoitado pelos tempos de ventos duros e impiedosos. Repare em minha proa. O desgaste é natural, pois o abandono assim procede. Quantas estações! Talvez seja da nau essa condição de sazonar. Mas parece que nem quero mais me afligir. No fundo considero toda aflição abençoada. Nossa! O que estou dizendo? É melhor eu ficar aqui calado, só observando o mar. Estou aqui, e quem quiser, pode ver a minha alma. Tudo tem alma, o livro, eu. Se duvida, olhe como estou. Vela? Velas ao vento? Não, estou aqui. Se quiser, se aproxime.
Mariscos com seus riscos na areia, rastros de astros numa colisão de espumas numa noite que se vai. Mas estou aqui, recolho e bebo o frio, e já sorvi todas as madrugadas, e não perco a vontade absoluta de aglutinar em mim as noites que só nascem para enluarar os corações, os aflitos de amor, e os que navegam na serenidade de um barco em plenas ondas que causam círculos na mansidão das águas não moventes. Eu nunca quis ter escudo. Sempre me orientei pelo anseio de escadas. Espere um pouco! Não fale essas coisas de navegar. Minha alma está se acomodando. Está esperando que alguém conserte algo em mim. Não que profira, nem preciso de alguém proferindo nada, apenas sussurando para que eu possa adormecer na quentura de uma voz de analgésico. Alguém que apenas zele.
Porém, o que vejo? Uma mancha branca, um chumaço de algodão que risca o azul? Mas é uma gaivota! E vem se aproximando. Como é linda! Certamente pousará na areia. Não creio que irá se importar com um barco. Espere! Ela está vindo! Vai pousar em mim? Não, não faça isso! Para que isso? Pousar e depois ir. Depois de você o que serei eu além de um barco gaivotado de saudades?

MARCIANO VASQUES

Um comentário:

  1. Que alma linda a sua Marciano, só assim se explicam as palavras repletas de sentir que escrevem este texto. Que a gaivota plane e se aproxime de todos os que sonham em azul.

    Um abraço
    oa.s

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