terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A FALA E O OUVIR

—Sapabela, deveriam ser parceiros.
—Quem, Rospo?!
—A boca e os ouvidos.
—Não entendi.
—Por pouco tempo. Num instante entenderá.
—Já comecei. Veja só: quem fala, fala mais perto do ouvido. E estando mais próximo, ouve com nitidez. Pelo menos é o que supomos.
—Muito bem. É isso mesmo! Quem fala, fala mais perto do ouvido. E essa proximidade precisa ser frutífera.
Quem fala, fala primeiro para si, para dentro, depois para fora. O sapo pensa antes de falar.
—Mas está incompleto o entendimento.
—Quem fala precisa pensar e repensar antes de falar, pronunciar-se é mais do que apenas articular palavras ou soltar o pensamento. Falar deve favorecer, que é arvorecer em favo, deve favorecer o ouvido. Quem fala sem pensar e sem critérios, pode ferir ou fazer doer o ouvido.
—O ouvido é ou deveria ser regido pelo "Ouvir", que já é uma forma de "Falar". Há uma união consensual entre os dois verbos que verbalizam a existência humana dos sapos. O orgão do ouvido é a orelha. Que as sapas enfeitam tão bem com os brincos, que é a brincadeira de brilhar e refletir as luzes no ouvido. Adoro brinco. Só quero lembrar que os povos ciganos também enfeitam a orelha com  brincos, e precisariamos todos enfeitar o ouvido também, com o bem dizer. Curioso, Rospo, que a boca ninguém mais enfeita. No passado, se a memória for justa, enfeitavam a boca com ouro cravejado nos dentes. 
—Sapabela, acontece que enfeitam sim a boca, os que sabem viver.
—Diga, Rospo.
—Os beijos enfeitam o céu da boca de estrelas.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 — 736


Marciano Vasques

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