domingo, 11 de dezembro de 2011

NO DOMINGO À NOITE

—Rospo!
—Sapabela! Que alegria.
—Como sei que qualquer dia irá dizer que os maiores mestres da humanidade dos Sapos são as crianças, gostaria que falasse algo sobre isso agora.
—Sim, Sapabela, a criança nos ensina de duas maneiras, quer dizer, em duas épocas diferentes.
—Precisa falar um pouco mais.
—Nos ensina quando é criança, por nos ofertar a oportunidade de viver na geração dela, estar ao lado dela, ao seu redor, com nosso olhar de proteção, mas vendo a pipa no ar e os encantos da simplicidade das brincadeiras infantis. Nos ensina quando se torna um palhacinho azul, um Arzelindo. Quando nos mostra que um sorriso pode ser o melhor presente na vida de alguém.
—Entendi, quando perto de nós, ela nos faz retornar ao tempo do aprendizado feliz, em que ser lúdico era viver intensamente a alma, que saltava valetas e corria ao deus-dará do vento, nas azuladas tardes de transparência.
—Inspirada hoje, Sapabela?
—Está chegando o domingo à noite.
—Sim?
—Resolvi ser o meu próprio remédio para o suposto tédio do domingo, quando para muitos só resta a alternativa do sofá...
—Sofá é bom, Sapabela. O ideal seria rolar na grama ao ar livre, mas seria considerado atentado ao poder.
—Poder ou pudor, Rospo?
—Um vem do outro, quer dizer: de um poder supostamente invisível vem o pudor.
—Rospo, está viajando. Quando falei de sofá disse sobre ligar à TV, entendeu?
—Entendi, então você é o próprio remédio para o seu tédio?
—Meu não! O tédio que se diz sobre o domingo à noite.
—É por causa da melancolia do espectro da segunda -feira que se aproxima.
—Seja como for, aciono a alegria. Ela ergue as asas e nos leva.
—Sapabela, você é mesmo um alguém especial.
—Novidade, Rospo! Novidade. Eu quero novidades! Fica falando o que eu já sei.
—Convencida?
—Não, bobinho, estou brincando. Fale sobre a outra fase da vida em que a criança nos ensina.
—Quando se torna adulta, após ser cultivada e regada durante a vida inteira com leitura e contos...
—O que acontece com uma criança regada com contos?
—Pode se tornar, entre outras coisas, um artista, um escritor, e escreverá para outras crianças... E assim estará nos ensinando novamente.
—Quando fala de alguém escrevendo para crianças, está se referindo a um adulto.
—Você que pensa.
—Então, as crianças são mesmo os mestres da humanidade dos sapos?
—Os melhores, pois, além de tudo, ainda nos brindam com a alegria de viver,  um dos atributos da criança.
—Rospo, já ouviu falar que a noite é uma criança?
—Já.
—Então, tem sorvete hoje?
—Tem, eu a convido para...
—Aceito! Vamos nos encontrar logo mais, na praça?
—Encontrar ou encantrar?
—Isso! Em meia hora estarei lá. Só vou pôr o vestidinho.
—Acreditem, sempre fui um bom sapinho. Mereço um domingo assim.
—Disse algo, Rospo?
—Não, estou pensando na cor do vestidinho.
—Eu o comprei e guardei para o nosso primeiro sorvete de dezembro.
—Fico pensando: Quase sempre, quando surge um namorado, as Sapas se afastam de algumas amizades. Não a quero perder, minha amiga.
—Perder a amiga? Nem a amiga nem a namorada.
—Do que está falando? Não decifrei.
—Nem sempre é tão ligeiro, não é?
—Bem, vou pensar. Enquanto isso, volte logo.
—Até mais, Rospo, e não se esqueça: o tabuleiro está na vida.
—Domingo e sapa inspirada: tédio inexiste. Por isso digo : ligue para sua melhor amiga quando triste.
****
—Rospo, voltei!
—Sapabela, a noite é uma criança mesmo.
—Não falei?
—Vamos ao sorvete?
—Vamos, e ele? Nada falou ainda.
—Se os olhos tivessem o dom de tirar.
—Rospo, a noite é uma criança, mas um certo sapo com a primazia do olhar infantil para as descobertas do mundo não pode me ver de vestidinho.
—Pois é, na verdade, são os múltiplos olhares. E esse a qual se refere, do olhar do vestidinho, é também de descobertas.
—Esse olhar vai ficar com água na boca, que nada tem aqui para ser descoberto.
—Vai ficar com água nos olhos.
—Rospo, não exagere! Essa carinha de cachorrinho na chuva não me pega. Vamos ao sorvete, que o domingo já nos é.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2011 -727
Marciano Vasques

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