sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

OS NAMORADOS, A SAPINHA, O BEIJO

—Yupiiii!
—Que foi, Rospo?
—Recebi o IPVA, já peguei a primeira fila do ano no banco...
—Isso é motivo para contentamento?
—Lógico que não! O 'Yupiiii' é por estar aqui com você, Sapabela, neste passeio azul. Nossa primeira ida ao cinema, em pleno azul de Janeiro.
—Azul por enquanto, lá vem chuva!
—Quando a chuva chegar, transferiremos o azul para o nosso interior.
—Também estou contente, Rospo. Seis dias do ano sem um cinema! Ninguém merece.
—Sapabela, vê o casal de sapos se beijando? Vou até eles.
—Por qual motivo, Rospo? Deixe os casais se beijarem, lábios são para isso. Ou pensou que lábios fossem apenas "estética" da natureza?
— Sapabela, sei que os lábios são para beijar, e quero mesmo que eles se beijem para valer. Mas, está vendo aquela sapinha ao lado?
—Sim, vejo. O que tem a menininha?
—Não reparou que ela está encolhida, constrangida, nem sabe para onde olhar?
—Reparei. Pobre menininha...
—Vou até eles.
—Cuidado, Rospo! Encrenca pouca é bobagem. Vou com você. Afinal, para que serve uma amiga?
—Rapaz, com licença!
—O que foi, Sapo?
—Que beijo!
—Qual é a sua, Sapo? Só não quebro o seu focinho porque sou mais jovem.
—Como é possível que o mesmo cara que tão romanticamente beijava a namorada possa  dessa forma falar ?
—Então, se manda, Sapo! Por que não beija a sua amiga?
—Eu? Ele está falando de mim, Rospo?
—Quem mais poderia ser, sua boboca?
—O que ela viu nele, Rospo? Ei, moça namorada! Seu namorado me lembrou do namorado de uma menina do brejo novo, aquele brejo de ocupação...
—O que tem ele? Fiquei curiosa!
—Rospo, ela ficou curiosa! Sinal de vida.
—Está vendo? Agora estão provocando você! Nem se pode mais beijar aqui na cidade.
—O namorado da menina do brejo novo passou com a moto e atirou uma pedrona no olho de uma cachorra, cegando o pobre animal.
—Meu namorado jamais faria isso.
—Escute aqui, meu 'mais jovem'. Reparou que estava beijando?
—Até a hora de você chegar, seu idiota.
—Realmente o amor é cego.
—Diga logo o que você quer, Sapo. E suma daqui!
—Reparou a menininha que está sentada no banco, ao lado da sapa namorada?
—O que tem ela? É minha irmãzinha.
—Nem responda para ele, querida.
—Enquanto se anuviavam embriagados no louco beijo de vocês, a pobrezinha nem sabia onde se esconder, de tão incomodada que estava, tão constrangida. Já  que querem ou necessitam compartilhar o beijo de vocês com todos, por que da próxima vez não dá uns gibis para a menininha? Algum brinquedo para a sua irmãzinha? Para que ela possa escapar dessa bobagem de vocês e possa se distrair na leitura, por exemplo? Assim evitam o sofrimento interior de uma criança.
—Um dia ela irá beijar assim também, Sapo.
—Aprenderá o beijo, certamente, mas espero que se esqueça da estupidez que você e seu namorado ensinam.
—Posso dar um murro nele, querida?
—Não, deixe pra lá. Vamos embora daqui.
—Ainda bem que disse não, pois ele daria sim o murro. Um detalhe: Vocês dois são iguais. Um merece o outro. Mas a menininha não merecia isso.
—Vá te catar, Sapo!
—Rospo, o filme vai começar.
—Vamos, Sapabela. O cinema não pode esperar.
—O sujeito é um cavalo.
—Nao ofenda os cavalos, Sapabela! São animais maravilhosos, a quem muito devemos.
—Bem, o sujeito é um estúpido, mas gostei da sugestão dele.
—Que sugestão, Sapabela?
—Esqueceu?
—Claro que não, vem cá.
—Rospo, não pode! Tem uma menininha olhando.
—Onde? Cadê?
—Enganei um bobo na casca do ovo.
—Enganou uma boba que ficou sem o beijo.
—Não vai mais me beijar, meu amigo?
—Enganei uma boba na casca do ovo!
—Parecemos duas crianças.
—Brincando de Sapabela e Rospo.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    —758

Marciano Vasques

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