sábado, 17 de março de 2012

JACY

JACY


Jacy era uma menina branca como a neve. Branca de lua, como costumava dizer o povo do morro Mumuru, onde ela corria com os meninos de Pandorgas. A pequena vendedora de
vegetais e frutos em um quiosque na praia, com sua água de coco e sucos naturais. Um largo sorriso e uma oferta de gentilezas conquistava a todos e colecionava amizades como se fossem poemas.
No dia do seu aniversário sempre tinha comemoração. Quando chegava o 20 de julho todos se dirigiam para o quiosque. E faziam uma roda de ciranda que Lia de Itamaracá adoraria, se pudesse ir.
Sempre era vista com uma lua de brinco. Todos gostavam dela, que adorava poesia. Poesia que escrevia para o satélite. Com seu brinco de luar espalhava a brincadeira de ser poeta.
Já tinha dezenas de poesias. Todas nascidas em inspirações enluaradas. Guardava os poemas como se fossem relíquias, e afinal eram. Pelo menos para ela cada poesia valia como um tesouro.
Era considerada por alguns uma maluquinha, principalmente quando dizia que se todos lessem ou escrevessem poemas e os ofertassem para a Lua o mundo seria melhor e entre os homens menos guerra haveria.
Além de sonhadora e poeta costumava dizer que quando morresse queria ser transformada em uma flor, de preferência uma flor gigante.
Tinha uma irmã chamada Selene, cheia de luz e claridade nos longos e ondulados cabelos. Ela lia os poemas da jovem Jacy e os guardava, datando-os e os organizando em uma caixa de papelão. O primeiro foi escrito numa tarde de inverno de 1969.
Todos os dias, naquele momento, quando o entardecer está pedindo lua, a jovenzinha fechava o quiosque e se banhava no mar antes de retornar para casa. Adorava as espumas das águas verdes como esmeralda. Após o banho no esmero da natureza, lá ia com alguns poemas na cabeça.
A caixa de papelão forrada com papel azul já estava com tantos poemas que quase não cabiam mais. "Brevemente não dará para fechar!". Alertava a irmã.
Não tinha jeito, todas as noites ela se punha a rabiscar os poemas do dia, em média cinco por noite, até que pegava no sono. E a pequena Selene sempre tão caprichosa ia acondicionando cada folha na caixa.
Quando anoitecia, de sua janela Jacy contemplava o morro Mumuru. De vez em quando esquecia o sono e subia nele. Quando isso acontecia seus cabelos ondulados tornavam-se prateados: assim dizia o povo de lá, rico de conversas e histórias sob a luz de lanternas de vaga-lume e de lua vagando ao lume das folhas lisas das plantas.
No nascimento de uma noite de ventania ela passou pelos meninos que recolhiam suas pandorgas, e lá, bem no alto, abriu a caixa azul e espalhou seus escritos ao vento. Uma revoada de papel seguiu o bailado do vento.
Na manhã seguinte, quando a irmã descobriu a caixa vazia, ela comentou que fez isso para que pelo menos um poema chegasse até a Lua.
Durante o dia vendeu seus frutos e sorriu bastante, um sorriso tão precioso que espantou os amigos.
Ao entardecer não retornou para casa. Caminhou durante horas em direção a um lago. Quis realizar um sonho antigo. Ver o reflexo da Lua nas águas.
Nunca mais foi vista.


MARCIANO VASQUES

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