terça-feira, 22 de maio de 2012

QUANDO O PASSADO NÃO PRESENTEIA


—Rospo, por que o passado incomoda tanto alguns sapos e algumas sapas?
—Temos que viver em harmonia entre os dois tempos. Viver em sintonia com o passado e o presente, e compreender que o passado não tem que ser referência exclusiva a ponto de responder pelo presente. O presente, que é a dádiva eterna, é que deve prevalecer,  é ele que conta. Ele sempre será o melhor regalo. O passado até pode ser referência, mas sem autonomia para interferir no juízo presencial. Ou seja, de que adianta uma diretora de creche dizer que no passado ela lutou contra a ditadura militar se no presente ela oprime os seus funcionários?
—Vamos mais longe, Rospo?
—Sim, sempre gosto de apreciar os movimentos das celebridades. É interessante que uma sapa bem famosa inventou a inveja...
—Explique, por favor.
—Quando um jornalista crítico, com bons e consistentes argumentos questionava em algum artigo algo que nos deveria, a nós, leitor, servir de ponto de partida para a reflexão sobre o modo como algumas carreiras se solidificam na cultura de massa, ela dizia que era inveja. Ou seja, uma crítica amorosa para com o leitor.
—Amorosa para com o leitor?
—Exato. Uma crítica que nos orienta, que nos serve de bússola para que cada leitor possa crescer em entendimento, é sempre, uma escrita amorosa.
—Vai mais, Rospo, vai mais.
—É curioso que se você tem dinheiro, muito dinheiro, você tem condições de comprar a invisibilidade do seu passado.
—Que bobagem, Rospo! Como você disse, o que importa é o presente.
—Mas o ponto culminante aqui, o cruzamento necessário é que o povo da Brejolândia, como sempre, em todos os tempos, é moralista, e julgará o sapo ou a sapa pelo seu passado, pela forma como ele ou ela edificou a sua carreira.
—Interessante!
—Outra coisa interessante é que você pode inventar algo e esse algo vira notícia e vira verdade.
—Que coisa incrível! Nada disso deveria ser necessário, se você acolhe com serenidade os frutos da beleza que planta nos corações.
—Mas cada um tem o direito de ocultar o seu passado. Se não quer que momentos de sua vida tornem-se públicos, é um direito. E como tem dinheiro, pode processar quem se atrever a contrariar a sua vontade.
—Rospo, vamos tomar um sorvete?
—Adoro tomar sorvete com você. Isso é um presente em minha vida.
—Tal como no passado, Rospo. Tal como no passado...
—Nada como receber de braços abertos o presente que nos presenteia...
—Isso mesmo, querida. O presente deveria ser sempre o presente que nos presenteia. Só assim ele poderá ser, no futuro, o passado que presentifica.O passado que não merece passar. Deverá sempre ser motivo de intensa alegria quando nos chega ao porto da saudade.
 


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 —786


Marciano Vasques

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