quinta-feira, 28 de junho de 2012

A MEDUSA DE CADA UM

—Já encarou a sua Medusa hoje?
—Que papo estranho é esse, Rospo?
—Encarar a Medusa é justamente petrificar-se, ficar de frente para a sua própria vaidade.
—Como é?
—A vaidade é o seu escudo, ou melhor, é a sua falsa razão. a sua visão insuportável. Ninguém tem ânimo nem coragem, e muito menos alguém acredita que valha apenas o investimento, de se encarar de frente os próprios esconderijos, as suas razões ocultas, os seus mais profundos e ocultos sentimentos. A vaidade oferece a segurança de nos livrar do confronto com nossas próprias verdades mais íntimas. Quem é vaidoso está protegido.
—Eu sou uma sapa vaidosa.
—Essa vaidade é boa, e não é a ela que me refiro. Aliás, eu só agradeço-a pela sua vaidade de sapa.
—Agradece por quê, meu amigo? Eu não sou vaidosa para você, sou vaidosa porque vivo em harmonia com a sapa linda que sou, linda em rosto e alma. Entendeu?
—Mas para mim é um brinde, um presente, pois sou seu amigo, estou sempre com você, e saio lucrando com a sua vaidade, que apenas ressalta, torna mais destacada a sua beleza, a sua elegância, a sua cortesia de ser.
—Obrigado, Rospo, mas fale mais da Medusa, que pelo que estou entendendo, age como um espelho.
—Exatamente. Ao encarar de frente a Medusa, você fica estagnado, petrificado. Todos deveriam ter a audácia de procurar a sua Medusa, e ter a oportunidade de enfrentar a visão de sua vaidade culposa, saber que essa vaidade é nada mais do que uma maquiadora. A vaidade vive nos maquiando. Não a sua vaidade de fêmea, mais a vaidade da soberba, que nos faz julgar que somos melhores do que o outro.
—Entendo, e a Medusa desfaz, pulveriza, transforma em pó essa máscara, esse escudo, essa vaidade, que impede a visão da razão. É preciso que você se liberte das amarras da exaltação da vaidade, e adentre o seu olhar na harmonia do sol, quando então poderá gozar luz. E assim é a Medusa. Ela, ao petrificar transforma em pó essa vaidade inconsequente que impede o brotar e o desabrochar do ser. Só ela poderá nos ofertar a visão dos motivos mais profundos da nossa essência.
—Incrível, Rospo, a Medusa, que nasceu da contemplação da natureza quando o homem não conseguia compreender as próprias forças e o movimento natural do mundo...
—Sim, e na ausência do conhecimento científico, a imaginação ergueu o seu colosso, desempenhou um papel único na história dos humanos.
—Sim, e como eu dizia, a Medusa que surgiu dos olhares aterrorizados do homem diante da espumas das águas em fúria contra os rochedos, agora nos é revelada como a nossa possibilidade de enfrentamento da visão daquilo que de fato somos. Ou seja, ela nos limpa os olhos ao retirar de nós a vaidade que impede o florescer da razão.
—E por isso nos petrifica.
—Exato, simbolicamente, todos deveríamos olhar a nossa Medusa, e cada qual ver a sua verdade.
—O curioso é que o mito diz que a Medusa era uma jovem muito bela, de beleza estonteante, mas quis se comparar à deusa Minerva, dizendo que era tão bela quanto a própria.
—E você sabe, os deuses são ciumentos e vingativos.
—O castigo maior foi justamente o fato de que a moça era tão bela e despertava os olhares. Todos olhavam para ela, e como Medusa ninguém mais poderia olhar para o seu rosto. Essa foi a grande maldição. A deusa foi terrível. Impiedosa.
—Pois é, e até hoje, é assim. Ninguém tem a coragem de olhar para a Medusa, pois pode ficar petrificado ao ver diante de si aquilo que a sua vaidade oculta e disfarça...
—Olhar para a Medusa então seria benéfico?
—Necessário, eu diria.
—Ninguém quer ficar petrificado de espanto...
—Eu sei. É melhor desviar o olhar da Medusa e permanecer acobertado por uma vaidade que oculta a visão de sua verdade. Melhor permanecer na falsa razão, na visão vaidosa em vez de enfrentar o que em si é inconfessável.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 787

Marciano Vasques


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