domingo, 29 de julho de 2012

A NOITE DOS HIPOCORÍSTICOS






A NOITE DOS HIPOCORÍSTICOS

—Rospo, meu Rospinho, meu querido, meu queridinho...
—Hipocorístico.
—O que é isso?
—Hipocorístico é toda palavra que demonstra carinho, afeto, no âmbito caseiro, na intimidade, nas amizades...
—Gatinho?
—Sim, gatinho, meu ursinho, benzinho...

sábado, 28 de julho de 2012

SAPABELA, SOL E LUA, FELIZ...


SAPABELA, LUA E SOL, FELIZ




—Sapabela, está tão feliz! Por acaso, está matando a saudade de algo?
—Eu? Não mato nem formiga... Por acaso, iria matar a saudade? Não cometeria esse crime. Saudade, que venha, quero vivê-la intensamente.

EDUCAR-SE PARA O OUTRO




EDUCAR-SE PARA O OUTRO

Sapabela, talvez seja muito difícil um sapo ser educado para o outro...

Rospo, fale disso, por favor. Isso me fez lembrar de um pequeno conto sobre uma rã que queria ser uma rã autêntica...A história é sobre uma sapa que só vivia para a opinião dos outros, ela vivia em função do outro, até que se anulou... É um conto de Augusto Monterroso.

A GRANDE QUADRILHA





A GRANDE QUADRILHA




Lá ia o Rospo, braços agitado, correndo pela praça, quando foi avistado pela velha amiga:
O que aconteceu, meu caro amigo? Está apreensivo... Posso ajudar?...
Só de ouvir sua voz, Sapabela, já me sinto amparado.
Mas o que o aflige, meu sapo?

A quadrilha, a grande quadrilha...
Que quadrilha?
Roubou o tempo, o tempo precioso...
Sem pleonasmo, meu querido. Assim como o amor é sempre grande, o tempo é sempre precioso...
A quadrilha o roubou...
Que quadrilha roubou o seu tempo, meu amigo?
O meu não, o tempo da multidão...
Vamos com calma. A multidão anda tão ordeira, que parece em nada ter sido “surrupiada”...
Pois foi mesmo roubada, Sapabela! Essa quadrilha é implacável...
Que quadrilha é essa, Rospo?
Seus membros, os piratas da vida...
Que piratas da vida?
A vida anda sendo pirateada... Às vezes um glamour nada mais é do que a ausência de clamor.
Rospo, assim me pego de poesia...
Essa quadrilha está dispersa, em todos os cantos e nos recantos, que são os supostos aconchegos requentados...
Muito bem, como o sapo simplesmente nasceu para o requinte deveria recusar o requentado, que é a vida sem autenticidade...Mas, fale mais um pouquinho dessa quadrilha...
Falarei de seus comparsas...
Estou esperando.
Só um pouquinho de alento, Sapabela.
Claro, veio correndo agitado, todo apavorado...
Seus membros são: o excesso de televisão.
Que mais?
As conversas infrutíferas, as flores banais do cotidiano, os desentendimentos trazendo atritos improdutíveis, inférteis...
Tem atrito fértil?
A vida é atrito, o universo, o amor...
Sei, mas...o que seria um atrito infértil?...
Indelicadezas, pirraças, invejas, ciumes...
Engraçado, Rospo... Quando tomo conhecimento de que alguma colega está com inveja ou ciume de alguma conquista, alguma vitória minha, sempre fruto da minha luta, fruto, e não furto, pois às vezes somos furtados em nossos melhores sentimentos. Pois bem, quando sei que despertei ciumes ou inveja, comemoro...
Comemora?
Sim, faço um bolo de cenoura, e vivo esse momento tão gostoso na casa onde moro... Festejo, em mim, o fato de provocar ciúmes, inveja...
Muito bem, mas não se esqueça: Quando for comemorar a inveja de alguma amiga, convide-se.
Convide-se?
Sim, isso quer dizer, convide-me. Assim, reforça duplamente a sua alegria, pois estarei ao seu lado...
Amigo, isso é papo de “paixão por bolo de cenoura”...
Pois bem sabe, adoro bolo de cenoura...
Então, Rospo, entendi essa sua quadrilha...
É isso mesmo! A quadrilha composta dos mais terríveis malfeitores, que são as piadas preconceituosas, as conversas infrutíferas, as agressões, as indelicadezas, os temores, a falta de iniciativa, o marasmo, a rotina... Tudo a nos roubar o tempo, pois, se não sabe, o tempo que se perde jamais se recupera...
Rospo, qual o primeiro passo para se livrar dessa grande quadrilha?
Uma vassoura para retirar os entulhos da mente, varrer a mente, deixar a “alma” bem limpa, transparente, se for necessário, um esfregão...
Sei, ler um bom livro, ouvir uma boa música...
O passo seguinte é disciplinar o seu querer.... Pois o querer está a nos piscar, basta ter a “boa vontade”. De posse desse querer, da consciência de que se quer o que é bom, basta então, agir em retidão, e viver intensamente, poder dormir num travesseiro de macela. Um travesseiro, eis a grande travessura dos que vivem o dia em sua pureza.
Rospo, faz tempo não convido, vamos tomar um licor de anis?... E... um sorvete de …
Yupiiii!
—Não tem outra forma de dizer que aceita? Esse Yupiiii! é muito escandaloso. Todos estão nos olhando...
Sapabela, como é bom conversar com você.
Antídoto para enfrentar quadrilha que rouba o tempo, não é?


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    — 804

Marciano Vasques

sexta-feira, 27 de julho de 2012

RELENDO COM A ALMA ARREBITADA



RELENDO COM A ALMA ARREBITADA


Naturalmente que leio vários livros ao mesmo tempo. Um para o Metrô, um para o amanhecer, e assim por diante. Faço de meu prazer uma novela, é a estética da leitura que o cotidiano me impôs. E agradeço por isso, pela chance de transformar minha vida numa doce disciplina.
Comecei a ler, novamente, após tantos anos, o “Narizinho Arrebitado”, do Lobato. Como ler um livro de Lobato é o mesmo que ler um de Jorge Amado, ou seja, um acontecimento extraordinário em nossas vidas, de fácil e vibrante felicidade... cá estou. No meu caso, felicidade indisfarçável. Ponho-me num sorriso largo, na largura das letras.
Impressionante como Monteiro conseguiu pôr no papel a peraltice das crianças, a algazarra de doçuras.
Esse livro, Reinações de Narizinho, eu tomei emprestado da “Gibilândia”, a Gibiteca que as crianças formaram e que por falta de amplas doações de gibis, está virando uma Livroteca.
A peraltice encantadora das crianças, quando Lúcia se refere às pedras negras do limo, como “Tias Nastácias do Rio”. Lobato teve esse toque de genialidade, algo que foi alcançado por Andersen, quando transformou caixas de fósforos, pequenos objetos e brinquedinhos, em Literatura de imortal encantamento.
Como aprendi a dividir a felicidade quero escrever um pouquinho sobre esse “Narizinho Arrebitado”. Só um pouquinho. Estou celebrando um acordo de cavalheiros com o tempo.
De fato, no Natal de 1920 as crianças receberam um presente extraordinário quando esse livro surgiu. E Lobato trouxe para a mente fecunda e ensolarada da criança, os doces da Tia Anastácia, trouxe também o Gato Félix para o sítio da Dona Benta, que se tornou o sítio de todas as crianças. Dona Benta, a “Vovó mais feliz do mundo”.
Dependendo de certa ótica, certo prisma, hoje, ao observar todos os dependentes tecnológicos atuais, as nossas crianças sem avarandados, penso e ouso afirmar o óbvio: nenhuma criança deveria, jamais, passar a infância sem ler um livro de Monteiro Lobato.
Lobato, que tão magistralmente soube interpretar a oralidade, que em sua época era a tradução da alma, do espírito da época, como sempre será.
O que mais me surpreendeu é que na minha idade eu possa me emocionar e sentir tanta alegria diante de seu texto. Ou estou virando menino novamente ou desde aquele dia, naquela tarde fria quando em minhas mãos segurei o primeiro livro desse autor, estava condenado a crescer de forma lobatiana.

MV

AS COISAS E AS PALAVRAS




AS COISAS E AS PALAVRAS



—Rospo, você ama as palavras, não é?
—Sapabela, fico sempre curioso com as palavras que se vão...
—Palavras são filhas da época, lembra-se?
—Sim, é verdade! Mas é incrivelmente apaixonante o sumiço de algumas palavras, como “ancinho”...

FAGULHAS DAS ESTRELAS




FAGULHAS DAS ESTRELAS


—Yupiiii!
—Já sei! Não precisa tanto escândalo! Já sei que está aí no meu portão. Já desço, Rospo...

SAPINHOS


Arte Popular
CONTOS DE ÉRAMOS

Autor: MARCIANO VASQUES
Editora: EDITORA DELICATTA 
Categoria: CONTOS
ISBN: 978-85-64167-05-6
Descrição:
Lançamento em 18/08 às 13h no estande R78 esquina com a Rua J




sábado, 21 de julho de 2012

SAPA NA FLORICULTURA, SAPO NA CALÇADA



SAPA NA FLORICULTURA, SAPO NA CALÇADA


Uma sapa chamada Sapabela, que trabalhava como florista, encontrou num ramalhete um bilhete:
—Se eu a conhecesse pessoalmente certamente por você me apaixonaria.
A sapinha se pôs pensativa:

O BUMERANGUE DA ALMA



O BUMERANGUE DA ALMA

—Rospo! Que sábado!
—Nem começou o sábado, Sapabela!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

TABLETE E ABRAÇO


TABLETE E ABRAÇO



—Sapabela!
—Rospo! Que alegria!
—Pensou que eu não iria aparecer hoje?
—Já é muito tarde. Já é quase um novo dia.
—Cada dia é uma nova página.
—Gostei. Página me lembra papel...
—Por enquanto...

AS PORCENTAGENS DA SAPA

Num eterno encontro casual...
—Rospo!
—Sapabela!
—Estava com saudades dos dois.
—Que dois?
—O chocolate expresso e a conversa...
—É?
—O três, não é, Rospo? Você também.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Uau!

NADA

KING

A alegria começava...

EU JÁ NÃO SEI

Oh, Darling!

VAMPIRO CULTURAL



VAMPIRO CULTURAL



—Gosta de histórias de terror, com vampiros?
—Ora, Sapabela. Saiba, pois, que tem uma espécie de vampiro que realmente existe, e aqui em nossa cidade é o que mais tem.
—Falando sério?
—Sim, é o Vampiro Cultural.
—Nunca ouvi falar.
—Mas cuidado com ele.
—Que vampiro cultural é esse, Rospo?
—Tem aos montes.
—É? O que é um vampiro cultural, meu querido?
—Alguém que se alimenta da influência, do cargo, da posição de outro sapo para escalar, subir de posto, vencer na vida, ficar em evidência, ser promovido,
—Realmente, Rospo, até ouço as asas desses morcegos. Esse vampiro cultural é bom de sugar, não é?
—Sim, ele está em todas as partes, nas empresas, no mundo da cultura, no Facebook, em todos os cantos. Onde tiver uma brecha, lá vem ele, o vampiro cultural.
—Rospo, aprendi uma coisa desde que era uma sapinha...
—Você deve ter sido tão bonitinha...
—Aprendi, Rospo, que só fica para a história quem realmente tem valor, ou seja, quem trabalha e produz... O resto é só trânsito, é tudo passageiro...
—Mas o vampiro cultural às vezes se dá bem...
—Mas é um bem temporário, amigo, pode acreditar.
—Sapabela, hoje está muito frio. O que isso lembra?
—Vampiro?
—Pare com isso!
—Estou brincando. Lembra chocolate...
—Yupiiii!
—Rospo, eu já falei. Pare com essa algazarra!
—A Algazarra nem começou, Sapabela!
—Então vamos começar. Moço!, dois chocolates expressos. Por favor.
—Yup...
—Rospo!
— ~~~~~~~~~~
—Não fique tão jururu, meu amigo. Vamos os dois?
—Vamos: um, dois, três... Já!
—Yupiiii! Yupiiii!


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 797
Marciano Vasques

NO CENTRO DO RODAMOINHO UNIVERSAL




NO CENTRO DO RODAMOINHO UNIVERSAL


Quando se sabe que vai morrer, o sapo se liga às coisas que realmente importam, que são as imensas, aquelas que estão na simplicidade da vida, e nas coisas boas, como doce caseiro de abóbora e amizade sincera, de risos e gargalhadas.
Rospo, estou estremecendo. Que papo é esse de “se sabe que vai morrer”?...
Fique aflita não meu bem. O que estou a dizer é exatamente isso. A vida, seja de quem for, necessita e clama por uma mitologia, que é “a que faz falta”...
Continue.
Com essa mitologia, que é feita de mecanismos de defesa interior...
Sei, a palavra “Aqui”...
Palavra curandeira de expressiva força...
Prossiga. Quero chegar no “morrer”.
Pois bem, é sabedoria compreender a finitude múltipla da vida.
Vamos com calma, Rospo. Estou assimilando. Aliás, está vendo aquela padaria?
Sim, estou, durante anos tive um sonho de que o dia começaria mais feliz se eu pudesse estar numa padaria tomando um chocolate expresso...
Então, Rospo, eu descobri, perplexa, de que assimilo melhor as ideias com um licor de anis...
Yupiiii!
Está bem, está bem, sem escândalo, sem alaridos... Vamos lá. Já que o convite foi lançado como naipe à mesa, lá você poderá continuar esse seu papo de lunedi.
Exibidinha.
Pronto, amigo. Pode prosseguir.
Nessa mitologia pessoal, que depende e interessa a cada sapo, de forma específica, pode, além dos mecanismos de defesa interior...
Um livro, uma janela arejada, uma canção da mocidade...
Nem se usa mais essa palavra, Sapabela: mocidade... Aliás, diz-se que em algumas metrópoles usa-se mais o seu antônimo: bandidagem.
Não seja cruel, Rospo.
Estou brincando. É quando era menino brincava muito de mocinho e bandido. Era muito bom, cada um se escondendo com aquelas armas de forquilha, eu, sempre atrás de um pé de poejo ou de hortelã, ficava de tocaia...
Realmente, sapinho entre as folhagens teve uma infância e tanto... Mas, fale sobre essa tal mitologia pessoal.

Que licor de anis gostoso!
Sempre é. Mas, vá em frente. Vá fundo, Rospo.
Não exagere, Sapabela.
Você só me faz rir, Rospo! Por isso sua amizade brilha em meu coração.
Pois bem, um das pedras preciosas dessa tal mitologia é ter a consciência de que se vai morrer...
Entendi, ao dizer, “quando se sabe que vai morrer”, está se referindo à consciência da finitude da vida, de sua condição de efêmera.
Vamos para outra “ótica”?
Estou lá, mande dizer.
A finitude da vida é apenas um conceito, pois pensamos em categorias conceituais o tempo todo.
Quando falei “vai fundo”, não quis dizer para exagerar, Rospo. Deixe de lado esses termos acadêmicos e da Filosofia, e pelo que entendi, está dizendo que “a finitude da vida” é relativa?
Lembro-me de quando chegou à periferia essa expressão : “tudo é relativo”...
Sei, essa expressão é filha da PUC.
Posso continuar?
Claro, Rospo! Reparou que aqui tem um chocolate expresso?
É o “Pós drinque” para o licor de anis.
?
É, quando é comida, é sobremesa, quando é bebida, é “ Pós drinque”...
Está certo. Então, prossiga. Vai... na sua.
Pensei que iria falar diferente.
Iria, mas fiquei desconcertada com esse olhar.
Falando em olhar guloso, adoro a arte...
Rospo, atenha-se! E prossiga. Ninguém falou em gulodice. E já nem consigo parar de rir.
Pois bem: finitude da vida é apenas um conceito, pois ela, a vida, prossegue nas coisas boas que se planta e nas ondas mentais que atravessam os casarões, os vilarejos numa polinização espetacular, de riqueza infinita. Sempre que você expressa um sentimento ou um pensamento poético, por exemplo, ele se irmana em feixes invisíveis a algum outro poeta, em algum canto do mundo.
Acredita mesmo nisso, Rospo?
Naturalmente, então, a vida é infinita. Ela apenas finge que termina, pois estará sempre nas coisas imensas que movem os corações e as almas na multidão.
Nesse sentido, Rospo, saber que se vai morrer é ter a consciência de que a vida sempre pede passagem... E é infinita, e...
Prossiga.
Foi uma pausa para a emoção.
Pois?
Ter a consciência de se que vai morrer é participar de algo imenso, é estar sintonizado com a força mais expressiva da vida, é estar no centro do ciclone universal. Na verdade, é abrir o coração para viver intensamente, é participar da vida com felicidade...
Sim, estar no centro do turbilhão. Ser a profusão de luzes no torvelinho do universo... —Por isso amo a nossa amizade, Rospo: o melhor do amigo cada um de nós leva na conversa, que transportamos conosco, em nossa mochila dos tesouros insondáveis. Moço! Traga dois chocolates expressos...
Yupiiii!

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 796
Marciano Vasques

domingo, 15 de julho de 2012

PALAVRA FIANDEIRA —74


No ar, nova PALAVRA FIANDEIRA!



NA BIENAL DO LIVRO


sábado, 14 de julho de 2012

NO PASSADO E NO PRESENTE



NO PASSADO E NO CÉU ESTRELADO


Sabadoficando, Rospo e Sapabela passeiam pelas calçadas.
Rospo, minha amiga Colibrã...
Gosto do nome dela: mistura de colibri com rã.
Isso mesmo. Lutou pelo seu sonho de bailarina quando a vida dela, em todas as circunstâncias, dizia “Não!”.
Fale-me sobre ela. O que está acontecendo?

quarta-feira, 11 de julho de 2012

SER O QUE É, SEMPRE






—Sapabela, como vai?

Vou nas asas da amizade sincera, do amor, da delicadeza, da ética. Como vê, vou alada.

Interessante. Estive pensando: não é justo o que você faz.
Do que está falando, Rospo?
Ora, Sapabela. Está querendo aumentar o índice de ataques cardíacos, de AVC, de neuroses, de doenças somáticas, de...

segunda-feira, 9 de julho de 2012

CENAS DO CINEMA


OS BRUTOS TAMBÉM AMAM  (SHANE) — 1053

CENAS DO CINEMA


A CASA DOS ESPÍRITOS — 1993

ENCONTROS 2012

Com a escritora Regina Sormani, no estande da CORTEZ em Suzano.

CENAS DO CINEMA

BEAU GESTE — 1939

O BUQUÊ DE CADA UM

—Sapabela, que noite fria!
Estava fria.
Tem razão. Esse encontro de sapos amigos aquece qualquer noite.
Eu já sou feliz só de pensar que no acaso posso encontrar um amigo.
Sapabela, seu espírito é um ramalhete.
Que bonito, Rospo! Sempre desconfiei que tinha um buquê dentro de mim.
Esse buquê é um feixe de luzes. É ele que devemos proteger...

CONTO QUE TE CONTO





CÁ NO ALTO ROSEMA BRANCA BRINCA


Rosema Branca brinca entre as varejeiras. O brilho verde reflete o sol que entra pelas frestas das tábuas pintadas de oceano.
Em sua mão um pedaço de pão, em seus cabelos uma flor que se vai. Seu pensamento abarca barcos à deriva, pedras brancas na areia, imagens difusas em sua mente em formação, e jamais murcha.
Seu tempo é de brincar, sua urgência é ser menina. Lá embaixo, a cidade com seus mistérios. O dia fervilha no movimento das prostitutas, das doceiras, das mulheres do jogo do bicho, da moça na doca que procura incessantemente o namorado que desapareceu. Ninguém sabe, ninguém viu. Alguém até comenta que o Didi Navalha era um bom sujeito, de um naipe e tanto.
Lá embaixo o porto, as espumas, a água verde, os riscos dourados e prateados. As ruas com poças de água, a argila, a fumaça, as calçadas, uma mulher triste que caminha com um bordado de lantejoulas róseas.
Os aromas do almoço ultrapassando portões, invadindo a praça, atiçando a alegria: o mocotó, a moqueca, o coentro, o manjericão...
Lá embaixo é pura cidade, e a cidade é feita de mulheres, que sobrevivem, que escrevem uma história invisível. A armadura da cidade, a sua capa, é feita de homens explorados, que brigam nas tavernas, que ludibriam o cansaço nas mesas de bilhar, que desnorteados ouvem o apito do navio e o marulho das tardes, que retornam para suas casas, repletos de maresia, suor e desejos esmagados.
Lá embaixo a cidade se estica, atravessa os trilhos, o mormaço, os paralelepípedos e imprime os seus lamentos, as suas perdas, os seus cacos.
Mas, aqui no alto, Rosema Branca brinca, em seu abandono.



Marciano Vasques

domingo, 8 de julho de 2012

MELISSA


MELISSA

Os raios dispersos de um sol extravagante
orientando os passos do viajante.
Geleiras no mar, orvalho em queda,
deslizando no verde,
das folhas da planta.

Gritos e pássaros, saltos e rastros,
asas de inseto, esperanças no afeto.
Ostras na areia, astros no céu,
leão na floresta,
vento que arrasta o chapéu.

É festa, e o riso dissipando o véu.
A lã e o cetim, a fumaça, o aço,
o anil, o algodão, a flanela,
o canavial, o bagaço.
A luz no peitoril da janela.

O pardal, o flamingo,
a cacatua, a ema,
o domingo, o poema,
o guará, o guaraná.


A rosa e a cotovia,
as folhas espalhadas,
o choro e as gargalhadas de cada dia.
Seja bem-vinda, Melissa!

O MENINO E O FANTASMA




O MENINO E O FANTASMA
(Originalmente em Italiano, como o título: IL BAMBINO E IL FANTASMA)

O velho cigano, quando menino, queria sempre ler “O Homem Mascarado”, ou ver na TV um filme policial, sempre depois da meia-noite, quando se supõe que o silêncio impera na Floresta Negra.
Na noite de 26 de agosto de 1964, lia o gibi, quando sentiu um estranho rumor. Levantou-se da cama e andou em direção à janela. O governador era o pirata.

sábado, 7 de julho de 2012

A ARTE NÃO SE COMPRA




Estou muito feliz por você ter aceito o meu convite, Sapabela. Faz tempo não vinha ao museu.

—Eu também estou feliz, Rospo. Recentemente, me pus a pensar no preço que pagam por telas clássicas...
—Curioso isso, Sapabela.
—O que tem de curioso? Quem tem dinheiro pode adornar a sua morada com coleções de arte...
—Isso não me parece simples, de imediato.
—Rospo, eu o conheço. Diga o que está pensando.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

OBVIEDADES NÃO EXPLÍCITAS

—Sapabela!
—Rospo! Saudades!
—Temos tanta conversa atrasada.
—Vamos quitar essa dívida hoje.
—Eu começo.
—Só se for já.
—Fiquei pensando nas obviedades não explícitas.
—Rospo, isso é contraditório.
—É nada, Sapabela. Saiba que tem tantas coisas óbvias, que estão diante dos olhos da multidão e quase ninguém repara.
—Ninguém tem tempo.
—Já pensou se tempo fosse vendido em supermercado? Que longas filas!
—Ninguém teria tempo para as filas, Rospo. O tempo seria gasto nas filas das lotéricas....
—Tem fila que eu gosto.
—Tem?
—Fila de cinema.
—Ula lá! Mas fale de uma obviedade não explícita.
—"A partícula de Deus".
—Muito difícil, Rospo, mas obviamente eu já sabia que não iria escolher uma fácil, seu danado.
—Sapabela. Assim que é bom.
—Fale então sobre isso.
—É a expressão em Português, é curioso. Só em nosso idioma ela surgiu assim. Em Inglês, é a "Partícula Deus", então, esse "de" que entrou em nossa versão para a expressão, para a alcunha...
—Alcunha?
—Sim, é o apelido que inventaram para bóson de Higgs... 
—Muito bem, mas, sabe, Rospo, hoje é sexta-feira. Queria um papo assim com mais leveza.
—Uau!
—Você faz isso?
—Não, eu faço Yupiiii!
—Sei, foi pura distração.
—Sapabela, eu a convido para...
—Aceito!
—Como adivinhou que era sorvete?
—É sorvete?
—É, vamos?
—Yaupiiii!
—O que é isso?
—É a convivência.
—Mas você adaptou.
—Aperfeiçoei, Rospo, Ficou mais charmoso um Yaupiiii! do que um Yupiiii!
—Sapabela, sobre essas obviedades não explícitas, uma solução é você abrir as janelas...
—Gosto da palavra janela em vários mundos. Ventana, finestra.
—Mas...
—Diga, amigo,
—Abra a janela, onde estiver, e irá compartilhar a alegria da visão das coisas que necessitam de atenção. 
—Ou seja, tudo que está no mundo. Mas, se estou na calçada, como agora, como posso abrir uma janela?
—Sapabela, refiro-me à janela que há em você, em cada um de nós.
—Sim, as nossas janelas, que podem nos deixar ensolarados, enluarados, arejados... 
—Preciso dizer algo, Sapabela.
—Pois diga.
—Eu...
—Diga!
—Sabe... Eu... Eu... Nada, vamos tomar o nosso sorvete.
—Rospo, você acaba de me mostrar algo imenso.
—Mostrei não, Sapabela!
—Seu engraçadinho. Estou falando do seu jeito, esse acanhamento, essa indecisão, essa face ruborizada. Essa sua ruborização facial é altamente reveladora...
—Do que está falando, Sapabela?
—Das obviedades por demais explícitas.




HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 791
Marciano Vasques

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O TEMPO QUE O TEMPO É

—O tempo vai mudar, Rospo.
—Para onde ele vai, Sapabela?
—Ele quem?
—O tempo, onde ele vai morar?
—Qualquer pergunta sobre o tempo deve ser feita ao próprio tempo, se você tiver tempo para isso, claro. Mas adorei a sua brincadeira, Rospo. Acontece que o tempo, veja só, vai mudar, vamos viver um tempo de esplendor.
—Jura, Sapabela?
—Nunca hei de jurar, meu amigo.
—Verdade, perdão, amiga. Mas está acontecendo algo agora.
—O que é, Rospo?
—Uma espécie de formigamento na alma. Uma coisa estranha, que de vez em quando me ocorre.
—Já sei o que é.
—Repentinamente começo a pensar em amores circenses, em espantalhos ao vento, folhas voando ao léu, ciganos apaixonados, luares e mormaços, estrelas cativando janelas... riscos de peixes dourados no ar azulejado de uma tarde de capinzal...
—Sabe o que é isso, Rospo? É a Poesia... Quando ela começa o seu chamamento, não tem jeito...
—Alguém consegue recusar a poesia, Sapabela?
—Tantos sapos, milhares, milhões, é triste, Rospo. É só pensar nos trens que transportam os operários, nas fumaças, nas chaminés, nas maquinarias...
—A Poesia está em todos os lugares, Sapabela.
—Sai disso. O problema é a falta de atenção para com ela, a ausência de doçura, que se agiganta no cotidiano dos explorados...
—Sapabela, você  me comove. Muitos buscam profissionais, especialistas, para tratar de algum problema que na verdade nada mais é do que um sintoma da vida incompleta...
—Sei o que você está dizendo, Rospo. E uma vida completa começa onde? Em que ponto?
—Suponho que deva começar no ponto do chamamento. Isso sempre requer uma pausa, um momento voltado para si, um mergulho, um passeio no interior de si mesmo.
—Rospo, como você se sente quando surge esse "formigamento"?
—Sinto-me feliz, com vontade até de seguir o tempo.
—Seguir o tempo?
—É, como ele vai mudar, quero ver até onde ele irá, ou onde irá morar.
—Rospo, você tem espaço reservado para um inquilino dentro de você?
—Tenho sim.
—Pronto, pois então faça com que o tempo more em você.
—Claro, Sapabela! Desde que a sua palavra seja a fiadora.


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 790
Marciano Vasques

terça-feira, 3 de julho de 2012

LA PIOGGIA

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O SAPO E O PARAÍSO

—Rospo, a vida foi feita para a felicidade.
—Pleno, Sapabela, pleno! A vida jamais se beneficiará da tristeza.
A tristeza talvez seja apenas a necessidade do equilíbrio, porém, pela sua razão corrosiva da alma, deve ser afastada de imediato.
—Se tivesse um paraíso!...
—Tem!
—Onde está? Onde está?
—No único lugar onde tem sentido a sua existência.
—Rospo, vá com calma.
—Só velejo na calma. Aprendi o azul desde cedo.
—Mas também adora temporais.
—Não me recuso à aventura de viver.
—Porém, diga que lugar é esse, no qual o paraíso pode ser encontrado.
—É tão óbvio que os leitores já sabem.
—Adoro metalinguística.
—Eu também.
—Mas, não enrole, Rospo! Diga logo onde é o lugar do paraíso.
—Dentro de você.
—Dentro de mim?
—De cada um de nós.
—E como faço para viver nesse paraíso, Rospo?
—Para fazer é preciso desfazer.
—Que papo é esse, amigo?
—Desfaça a ideia de paraíso como um lugar sem vida, só gozo...
—Rospo, mas já sou um feixe luminoso de lutas que travo a cada dia...
—O paraíso que está em você pode se chamar recompensa. E isso quer dizer: não apenas gozo, no sentido do gozo improdutivo.
—É muito pra minha cabeça, Rospo.
—Estou querendo dizer que existe o gozo produtivo. Ou seja, um lugar onde você possa ler, compor, escrever, montar um teatro, realizar coisas, não apenas no universo da arte...
—Tudo isso dentro de mim?
—A fonte primária de todo evento está dentro de você.
—Tudo bem. Mas então você está subvertendo o conceito, a ideia original de paraíso?
—Se você se torna habitante desse paraíso só para gozar, sem produzir... Esse perde o seu sentido, até como metáfora.
—Rospo.Por tudo que eu estou tentando entender, então o paraíso pode valer a pena?
—Considerando que "valer a pena" pode significar que vale ser escrito, creio que sim. Então, se quer conhecer o paraíso, que está em você, comece a edificar mundos, produza, e verá como será feliz.
—Rospo, preciso ir, mas levo essa conversa comigo.
—Gostei Sapabela. Todos os sapos deveriam fazer isso: levar a conversa consigo.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 789
Marciano Vasques

ALEXANDRA LIAMBOS

ALEXANDRA LIAMBOS em AS BODAS DE FÍGARO.

domingo, 1 de julho de 2012

DIÁLOGOS ANCESTRAIS

—Rospo, precisa ser um pouco vaidoso.
—A vaidade deixo com exclusividade para você, Sapabela. Uma sapa vaidosa é tudo de bom.
—Hoje, Rospo, o sapo também se preocupa com a aparência. Ele também se cuida.
—?
—Se ficou mudo é sinal de que vai pensar. Promete? Vai?
—Sapabela, certa vez um professor de Metafísica comentou em tom debochado: "Os gregos tinham deuses para tudo".
—Promete que vai pensar, Rospo?
—Eu fiquei anos pensando na fala daquele professor...
—E então?
—Então esperei o dia em que eu viesse a compreender essa questão.
—Com o professor?
—Não! Com os gregos.
—E chegou a alguma conclusão?
—Fiquei emocionado ao saber que a imaginação ocupou de forma tão profunda e criativa o espaço  do conhecimento científico que eles não tinham.
—Isso é fascinante. Emocionante. Maravilhoso!
—Verdade. Na ausência  do conhecimento científico a imaginação exerceu o seu poder numa expansão jamais vista nos tempos que viriam. Terremotos, vulcões, ondas, vagalhões no mar, noite, tempestades...Tudo isso deu origem à monstros, criaturas terríveis, e também deuses, titãs, deusas...
—É de fato encantador, a incompreensão dos fenômenos da natureza engendrou um universo de deuses e criaturas jamais vistas em qualquer outro tempo
—E tem mais.
—É?
—Os mitos são tesouros da mente humana, atravessando milênios.
—Por que diz isso, Rospo?
—O mito se refere ao seu interior, à sua mente, ele estará dentro de você...Se você tiver o dom de ouvir.
—Ouvir virou dom?
—Em nossos dias sim.
—Então, o mito diz sobre nós, ele fala ao nosso interior, ao ser de cada um, ele  tem mensagens para a alma de cada um.
—Isso, Sapabela. São mensagens entesouradas em nós. Cada um deve procurar a sua conversa com o mito...E permitir que ele entre dentro de si, o lugar sagrado...
—Sagrado?
—Sim, dentro de cada um colidem universos, mundos... Reinos...
—Reinos?
—Exato. Dentro de cada um está o céu, e todos os mundos... E o reino Daquele que é. E muitos já sabem: Ele é em você.
—Rospo, tem sapo que já escreveu isso.
—A palavra, Sapabela, está numa corrente universal infinita e pertence à todos. Quando ela sai do papel e penetra no interior de alguém, esse alguém torna-se portador da palavra. E se alguém escreveu algo sobre os mitos nos tempos dos tempos, esse alguém nos herdou, nos devolveu a necessidade de ouvir, ou ler. Por isso, como eu já disse, procure salientar a sua conversa com o mito. E não se esqueça, tudo isso está num plano superior. Basta simplesmente ser portador da coisa mais difícil.
—O que vem a ser essa coisa mais difícil?
—O "Querer".
—Coisa mais simples.
—Vai pensando, vai pensando...
—Rospo, ouvir uma narrativa mítica é ouvir. Não conversar.
—Ouvir verdadeiramente é uma forma de conversa. E quando você se inclina para o chamamento do mito, você já está em pleno diálogo dentro de si. Ouvir nesse caso é uma ação dialógica.
—Eu sempre leio.
—É o passeio ancestral dos olhos.
—Rospo, que bom me dizer essas coisas, mas, fale: vai pensar no que eu falei sobre o sapo também ser vaidoso? Lembre-se: a boa vaidade melhora o mundo.
—Sapabela, você não desiste?
—Por acaso já procurou o significado do meu nome?
—Não. Qual é?
—Sapabela significa "Aquela que não desiste".
—Impressionante!


HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 —788
Marciano Vasques                                  


            

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