A NOITE DOS HIPOCORÍSTICOS
—Rospo,
meu Rospinho, meu querido, meu queridinho...
—Hipocorístico.
—O
que é isso?
—Hipocorístico
é toda palavra que demonstra carinho, afeto, no âmbito caseiro, na
intimidade, nas amizades...
—Gatinho?
—Interessante,então,
qualquer palavra criada e pronunciada com intenção de carinho no
âmbito familiar e no amoroso, é um hipocorístico...
—Isso.
Florzinha, mamãezinha, amorzinho, benzinho...titia, Chiquinho,
papaizinho, queridinha...
—Tenho
uma amiga sapa que está atravessando um problema...
—Isso
é bom, quando atravessamos um problema, podemos metaforizar como um
rio, e assim aprenderemos a remar o barco chamado solução...
—Às
vezes precisa das frestas do sol, que pode ser a voz de uma amiga...
—Correto,
mas que problema é esse?
—O
sapo dela é muito ciumento, e possessivo... Não é violento, mas é
seco, é meio bruto...Tipo pedra bruta...
—E
então?
—Então,
o quê?
—Ela
não é feliz?
—Finge
que acredita que é...
—Continue...
—Ele
a oprime, até com sutileza... O que ocorre é que quando um parceiro
não demonstra confiança ou é muito possessivo, e isso se aplica ao
sapo e a sapa também...
—Sim?
—Quando
o diálogo começa a rarear, por conta da falta de confiança ou de
algum ciúme meio doentio...
—Prossiga,
minha sapinha...
—Ciúme,
desconfiança, sentimento de posse, controle do outro, sempre gera
perda de autonomia, ou privação de liberdade, ou ainda, o que é
pior, temor ou insegurança na manifestação da liberdade de
expressão.
—Aquela
ou aquele que diz “Eu amo você!” não pode ser tolhida ou
tolhido em seu sentimento de livre expressão... Amor jamais
oprime...Quando oprime é negociata da alma, é sucata do coração...
Amor é companheirismo, e companheirismo é confiança... Quando um
sapo ou uma sapa não pode exercer o seu inalienável direito de se
expressar por que o parceiro ou a parceira exerce o seu “direito de
oprimir”, julgando-se dono do outro, proprietário, esquecendo-se
de que o outro tem vida, e tem direito a ser feliz, e esse direito
precisa vicejar, sem controle, como se fosse um marionete, ou um
carro, ou ainda um ser vigiado, quando isso ocorre, isso é o revés
do amor, pois a sapa, ou o sapo, ao exercer a sua liberdade de
pensamento e exercer de forma pura e autêntica a sua sinceridade, a
sua alma, de forma alguma está prejudicando o amor que sente.
—No
caso da amiga a questão é de gravidade...
—É?
—Sim,
ela navega no tal rio das margens estreitas que a oprime, e não
consegue se realizar plenamente como sapa, pois algo a impede, e esse
algo é por exemplo, poder se expressar com a palavra que não
teme...
—Sei
bem o que está dizendo. Tem muitos sapos e sapas que se julgam
proprietários mesmo, em nome de um suposto amor, se julgam
proprietários até da palavra do outro, exercendo assim a opressão
máxima, que é o impedimento de que o outro possa plenamente se
manifestar ...Mas por qual motivo o caso dela seria de mais gravidade
do que a multidão que padece desse tormento “amoroso”?
—Ela
quer ficar grávida. Seu sonho é ter uma sapinha...
—Sei...
Ela se sente incomodada com uma suposta opressão que em nome do amor
a esmaga como ser, ou a tolhe...
—Isso.
—Mas
quer ficar grávida desse sapo... Quer engravidar. Entendi, então
temos duas alternativas para que você possa conversar com ela...
—Sim?
Sim? Sim?
—Primeiro,
poderá demonstrar que compreende o seu desejo de engravidar como uma
fuga....
—Fuga?
—Sim,
milhares de sapas no mundo fazem isso...
—Nunca
pensei que engravidar fosse uma fuga.
—Em
casos como a da sua amiga sim... Pode ser mesmo uma fuga.
—Explique,
por favor.
—Ora,
a sapa é infeliz, e não pode expandir a sua alma, não pode
exercitar o seu coração no mais puro amor, e incidir no mundo
através da sua plena realização como ser, até mesmo numa Rede
Social, onde poderia exercer livremente e democraticamente a sua
palavra... Não pode abraçar em si a gestação de um novo tempo
onde se sentiria um ser pleno e realizado...
—Sim?
—Não
pode se livrar desse jugo de ferro, desse fado, desse sofrimento,
dessa opressão... Não pode se expressar livremente, pois é
estupidamente vigiada...Como se a quisessem privá-la de sua própria
autonomia verbal...
—Sim?
—Não
pode lutar contra uma situação que a oprime e amputa o seu direito
de escrever o que sente, sem ter receios... Não tem como canalizar,
como expressar o seu afeto, a sua generosidade, a sua alma, o seu
coração, a sua “paixão de viver”, que deveria se manifestar
nas suas palavras de amizade, por exemplo, sem receio de censura ou
algo pior...
—E?
—Pelo
fato de não poder se libertar e de enfrentar uma provável situação
opressiva... nutre o desejo de engravidar, que é uma fuga do
subconsciente, uma possibilidade de se “ocupar”, de redirecionar
“o afeto que não pode se expressar”, de ser autêntica e
completa, e transfere, de forma inconsciente, o problema, e consegue
assim uma falsa solução, pois poderá finalmente demonstrar o seu
generoso afeto de ser apenas o que é, ou seja, um ser de coração
livre, e poderá demonstrar esse afeto para com a futura criança,
poderá transferir o seu coração ferido, e realizar-se,
supostamente de forma plena, através do amor materno, que nesse
caso, é uma fuga, sim. Uma transferência, uma forma inconfessável
de se tentar ser feliz. Isso é a maior característica e qualidade
do sapo, do humano sapo: se não pode ser feliz de uma forma,
transfere essa sua potencialidade inerente, essa sua “capacidade de
amar sem temores”, e é isso que ela quer fazer...
—E
poderá se doar em amor, poderá exercer o seu amor livremente, sem
temor...
—Em
muitos casos, terá alguém para amar e que poderá exercer a
obediência. Ao amar a futura sapinha terá alguém que deverá
transbordar de amor e nesse alguém poderá mandar, durante um bom
tempo. Mas, não vamos ser tão duros, não é?
—Rospo,
gostei!, aplaudo, mas, e a segunda alternativa?...
—A
segunda é você escolher para ela um hipocorístico apropriado, que
demonstre o seu carinho, o seu respeito e a sua amizade por ela....
—Que
tal... burrinha?
—É,
até que é bonitinho.
—Rospo,
vamos tomar um sorvete, a noite está enluarada...
—Cadê
o luar?
—Inventores
de luar, assim são os amigos sinceros...
—Vamos,
Sapabela. Já estamos entrando em Agosto... E terminar Julho sem um
sorvete...
—Um
sorvetinho...
—Está
bem, Sapabela, até um sorvete merece um hipocorístico.
HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 807
Marciano Vasques
Nenhum comentário:
Postar um comentário