segunda-feira, 9 de julho de 2012

CONTO QUE TE CONTO





CÁ NO ALTO ROSEMA BRANCA BRINCA


Rosema Branca brinca entre as varejeiras. O brilho verde reflete o sol que entra pelas frestas das tábuas pintadas de oceano.
Em sua mão um pedaço de pão, em seus cabelos uma flor que se vai. Seu pensamento abarca barcos à deriva, pedras brancas na areia, imagens difusas em sua mente em formação, e jamais murcha.
Seu tempo é de brincar, sua urgência é ser menina. Lá embaixo, a cidade com seus mistérios. O dia fervilha no movimento das prostitutas, das doceiras, das mulheres do jogo do bicho, da moça na doca que procura incessantemente o namorado que desapareceu. Ninguém sabe, ninguém viu. Alguém até comenta que o Didi Navalha era um bom sujeito, de um naipe e tanto.
Lá embaixo o porto, as espumas, a água verde, os riscos dourados e prateados. As ruas com poças de água, a argila, a fumaça, as calçadas, uma mulher triste que caminha com um bordado de lantejoulas róseas.
Os aromas do almoço ultrapassando portões, invadindo a praça, atiçando a alegria: o mocotó, a moqueca, o coentro, o manjericão...
Lá embaixo é pura cidade, e a cidade é feita de mulheres, que sobrevivem, que escrevem uma história invisível. A armadura da cidade, a sua capa, é feita de homens explorados, que brigam nas tavernas, que ludibriam o cansaço nas mesas de bilhar, que desnorteados ouvem o apito do navio e o marulho das tardes, que retornam para suas casas, repletos de maresia, suor e desejos esmagados.
Lá embaixo a cidade se estica, atravessa os trilhos, o mormaço, os paralelepípedos e imprime os seus lamentos, as suas perdas, os seus cacos.
Mas, aqui no alto, Rosema Branca brinca, em seu abandono.



Marciano Vasques

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