CÁ NO ALTO ROSEMA BRANCA BRINCA
Rosema
Branca brinca entre as varejeiras. O brilho verde reflete o sol que
entra pelas frestas das tábuas pintadas de oceano.
Em
sua mão um pedaço de pão, em seus cabelos uma flor que se vai. Seu
pensamento abarca barcos à deriva, pedras brancas na areia, imagens
difusas em sua mente em formação, e jamais murcha.
Seu
tempo é de brincar, sua urgência é ser menina. Lá embaixo, a
cidade com seus mistérios. O dia fervilha no movimento das
prostitutas, das doceiras, das mulheres do jogo do bicho, da moça na
doca que procura incessantemente o namorado que desapareceu. Ninguém
sabe, ninguém viu. Alguém até comenta que o Didi Navalha era um
bom sujeito, de um naipe e tanto.
Lá
embaixo o porto, as espumas, a água verde, os riscos dourados e
prateados. As ruas com poças de água, a argila, a fumaça, as
calçadas, uma mulher triste que caminha com um bordado de
lantejoulas róseas.
Os
aromas do almoço ultrapassando portões, invadindo a praça,
atiçando a alegria: o mocotó, a moqueca, o coentro, o manjericão...
Lá
embaixo é pura cidade, e a cidade é feita de mulheres, que
sobrevivem, que escrevem uma história invisível. A armadura da
cidade, a sua capa, é feita de homens explorados, que brigam nas
tavernas, que ludibriam o cansaço nas mesas de bilhar, que
desnorteados ouvem o apito do navio e o marulho das tardes, que
retornam para suas casas, repletos de maresia, suor e desejos
esmagados.
Lá
embaixo a cidade se estica, atravessa os trilhos, o mormaço, os
paralelepípedos e imprime os seus lamentos, as suas perdas, os seus
cacos.
Mas,
aqui no alto, Rosema Branca brinca, em seu abandono.
Marciano
Vasques
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