segunda-feira, 16 de julho de 2012

NO CENTRO DO RODAMOINHO UNIVERSAL




NO CENTRO DO RODAMOINHO UNIVERSAL


Quando se sabe que vai morrer, o sapo se liga às coisas que realmente importam, que são as imensas, aquelas que estão na simplicidade da vida, e nas coisas boas, como doce caseiro de abóbora e amizade sincera, de risos e gargalhadas.
Rospo, estou estremecendo. Que papo é esse de “se sabe que vai morrer”?...
Fique aflita não meu bem. O que estou a dizer é exatamente isso. A vida, seja de quem for, necessita e clama por uma mitologia, que é “a que faz falta”...
Continue.
Com essa mitologia, que é feita de mecanismos de defesa interior...
Sei, a palavra “Aqui”...
Palavra curandeira de expressiva força...
Prossiga. Quero chegar no “morrer”.
Pois bem, é sabedoria compreender a finitude múltipla da vida.
Vamos com calma, Rospo. Estou assimilando. Aliás, está vendo aquela padaria?
Sim, estou, durante anos tive um sonho de que o dia começaria mais feliz se eu pudesse estar numa padaria tomando um chocolate expresso...
Então, Rospo, eu descobri, perplexa, de que assimilo melhor as ideias com um licor de anis...
Yupiiii!
Está bem, está bem, sem escândalo, sem alaridos... Vamos lá. Já que o convite foi lançado como naipe à mesa, lá você poderá continuar esse seu papo de lunedi.
Exibidinha.
Pronto, amigo. Pode prosseguir.
Nessa mitologia pessoal, que depende e interessa a cada sapo, de forma específica, pode, além dos mecanismos de defesa interior...
Um livro, uma janela arejada, uma canção da mocidade...
Nem se usa mais essa palavra, Sapabela: mocidade... Aliás, diz-se que em algumas metrópoles usa-se mais o seu antônimo: bandidagem.
Não seja cruel, Rospo.
Estou brincando. É quando era menino brincava muito de mocinho e bandido. Era muito bom, cada um se escondendo com aquelas armas de forquilha, eu, sempre atrás de um pé de poejo ou de hortelã, ficava de tocaia...
Realmente, sapinho entre as folhagens teve uma infância e tanto... Mas, fale sobre essa tal mitologia pessoal.

Que licor de anis gostoso!
Sempre é. Mas, vá em frente. Vá fundo, Rospo.
Não exagere, Sapabela.
Você só me faz rir, Rospo! Por isso sua amizade brilha em meu coração.
Pois bem, um das pedras preciosas dessa tal mitologia é ter a consciência de que se vai morrer...
Entendi, ao dizer, “quando se sabe que vai morrer”, está se referindo à consciência da finitude da vida, de sua condição de efêmera.
Vamos para outra “ótica”?
Estou lá, mande dizer.
A finitude da vida é apenas um conceito, pois pensamos em categorias conceituais o tempo todo.
Quando falei “vai fundo”, não quis dizer para exagerar, Rospo. Deixe de lado esses termos acadêmicos e da Filosofia, e pelo que entendi, está dizendo que “a finitude da vida” é relativa?
Lembro-me de quando chegou à periferia essa expressão : “tudo é relativo”...
Sei, essa expressão é filha da PUC.
Posso continuar?
Claro, Rospo! Reparou que aqui tem um chocolate expresso?
É o “Pós drinque” para o licor de anis.
?
É, quando é comida, é sobremesa, quando é bebida, é “ Pós drinque”...
Está certo. Então, prossiga. Vai... na sua.
Pensei que iria falar diferente.
Iria, mas fiquei desconcertada com esse olhar.
Falando em olhar guloso, adoro a arte...
Rospo, atenha-se! E prossiga. Ninguém falou em gulodice. E já nem consigo parar de rir.
Pois bem: finitude da vida é apenas um conceito, pois ela, a vida, prossegue nas coisas boas que se planta e nas ondas mentais que atravessam os casarões, os vilarejos numa polinização espetacular, de riqueza infinita. Sempre que você expressa um sentimento ou um pensamento poético, por exemplo, ele se irmana em feixes invisíveis a algum outro poeta, em algum canto do mundo.
Acredita mesmo nisso, Rospo?
Naturalmente, então, a vida é infinita. Ela apenas finge que termina, pois estará sempre nas coisas imensas que movem os corações e as almas na multidão.
Nesse sentido, Rospo, saber que se vai morrer é ter a consciência de que a vida sempre pede passagem... E é infinita, e...
Prossiga.
Foi uma pausa para a emoção.
Pois?
Ter a consciência de se que vai morrer é participar de algo imenso, é estar sintonizado com a força mais expressiva da vida, é estar no centro do ciclone universal. Na verdade, é abrir o coração para viver intensamente, é participar da vida com felicidade...
Sim, estar no centro do turbilhão. Ser a profusão de luzes no torvelinho do universo... —Por isso amo a nossa amizade, Rospo: o melhor do amigo cada um de nós leva na conversa, que transportamos conosco, em nossa mochila dos tesouros insondáveis. Moço! Traga dois chocolates expressos...
Yupiiii!

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 796
Marciano Vasques

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