domingo, 8 de julho de 2012

O MENINO E O FANTASMA




O MENINO E O FANTASMA
(Originalmente em Italiano, como o título: IL BAMBINO E IL FANTASMA)

O velho cigano, quando menino, queria sempre ler “O Homem Mascarado”, ou ver na TV um filme policial, sempre depois da meia-noite, quando se supõe que o silêncio impera na Floresta Negra.
Na noite de 26 de agosto de 1964, lia o gibi, quando sentiu um estranho rumor. Levantou-se da cama e andou em direção à janela. O governador era o pirata.
Do quintal veio primeiramente um assovio, depois um vento fraco e frágil, como fibras suaves numa febre cortante, junto com uma luz semelhante a um semáforo numa distante noite, plena de escuridão.
Junto ao seu espanto, veio também um grande barulho, porém não ensurdecedor.
O menino, como medo no pequeno coração, andou até a pia e a bebeu um copo com água, porém não chamou ninguém.
No jardim parecia tudo escuro e tranquilo. Só o imperceptível ruído das minúsculas asas noturnas.
Passarinhos dormiam no alto negro das árvores, e as formas embaraçadas dos vultos fantasmagóricos das galinhas nos galhos da enorme jaqueira, eram só fiapos de visão nas frestas da veneziana.
A luz se escondia com o espetáculo de seu rosto então ausente: o espetáculo branco, entrecortado pela seda rósea da cortina transparente da janela.
Pleno de magia, porém, sujo e lambuzado de medo com cada tipo de pensamento e com o olhar diante da vidraça, colocou a sua pequenina mão branca sobre o velho peitoril com azulejos azuis iguais aos que circundavam o pequeno oratório, formando um quadrilátero tortuoso.
Decidiu esclarecer tudo!
A avó e o avô dormiam. Nunca pensou nas idades da avó Conceição e do avô Pedro. Apenas se limitou a olhar distraidamente os cabelos brancos e as mãos alvas com excesso de manchas, e no rosto outrora feminino, também as longas e labirínticas rugas, assim como o eterno chapéu cinza que cobria os cabelos brancos do avô.
Às vezes brincava com os pequenos caracóis enquanto por ele passava lentamente o velho Pedro, sempre relacionado com um doce de amendoim, ou o cheiro forte do fumo e as nódoas de fumaça que embeveciam as manhãs.
Também as estrelas que se dissolviam na distância e na franja da lua, como veludo prateado, sempre a fingir distância e indiferença.
O espírito do espantalho, com a sua espada de espiga de milho, olhos de neve e coração de palha, era uma sombra que parecia alegre como um palhaço com pequenos olhos de vaga-lume, nariz de morango e bochechas plenas de bolinhas vermelhas.
Numa das árvores do quintal, um morcego dormia, porém uma coruja mantinha bem abertos os olhos.
Próximo ao peitoril da janela, uma vassoura, um abridor de latas e outras coisas: talvez um sapo, uma rã, um rato, um pequeno lagarto, ou ainda, uma lesma?
Lesmas, quando subiam pela parede úmida, se misturavam ao cheiro de tijolo, que a chuva depositava no ar, e deixavam rastros brilhantes que refletiam fragmentos dispersos de luar.
O menino quis ajoelhar-se e rezar, temeroso pelas imagens assustadoras de um enorme Cristo de bronze pregado numa cruz de madeira que vira certo entardecer numa sala escurecida da igreja, e ao mesmo tempo encantado pela visão cintilante de relâmpagos numa insônia.
Ajoelhou-se.
A reza foi trêmula e veloz. Voltou ao leito morno e acolhedor.
Que continuasse o universo se expandindo!, que prosseguisse a vida latejando nas gotas das pétalas orvalhadas das parcas rosas que a pobre mãe plantara no jardim frequentemente desprezado. Nenhum lugar lhe traria naquele momento mais segurança e conforto que a velha cama de madeira com o colchão levemente cheirando urina. Porém, antes de retornar ao leito, caminhou em direção à tênue luz da sala, e se recordou que tinha a marca da proteção do “Espírito que anda”, que veio como brinde num gibi comprado pelo velho Pedro num dia de chuva fina numa banca da estação ferroviária do Brás.
Depois, ainda antes de se deitar, deu uma rápida esguichada de olhar no cão, que dormia com a cauda sem vontade de festejar, e matou um pernilongo que voava como um helicóptero diante do espelho roto.
Retornou à cama já sabendo que tudo não passara de um sonho. Que os ruídos que vinham de fora não passavam de estilhaços da mescla de imaginação, insônia e realidade, que fortaleciam sua mente infantil.
Da janela, o “Homem Mascarado” sorria como uma fantasma.



MV

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