sexta-feira, 20 de julho de 2012

TABLETE E ABRAÇO


TABLETE E ABRAÇO



—Sapabela!
—Rospo! Que alegria!
—Pensou que eu não iria aparecer hoje?
—Já é muito tarde. Já é quase um novo dia.
—Cada dia é uma nova página.
—Gostei. Página me lembra papel...
—Por enquanto...
—Do que está falando, amigo?
—Segundo uns, chegará o tempo do tablete sagrado.
—Pronto, voltou com tudo.
—É verdade, Sapabela. O tablete, ou o que virá, segundo algumas profecias, substituirá definitivamente o livro, tal como o conhecemos.
—É o que andam dizendo. Claro, parece mais prático. Uma biblioteca ocupa espaço.
—Pareceu um pouco irônico, Sapabela, mas vamos em frente.
—Fale desse seu tablete sagrado.
—Como sabe, os sapos juram pela palavra...
—Teve uma época em que se colava o fio do bigode na página do livro no tabelião.
—Num tribunal o sapo estende e pousa a mão sobre o livro, pois ali está a palavra, e ela é sagrada.
—O conceito de livro sagrado surgiu no oriente. Borges já disse isso.
—Temos sempre que prestar atenção, querida.
—Prossiga.
—Bem, o tablete ou o que virá depois, irá substituir o livro de papel, correto?
—Então, o juramento será feito sobre o tablete.
—Sim, parece lógico.
—Pois é, minha estimanda amiga.
—É estimada, Rospo.
—Você sempre será estimanda, pois estará sempre ampliando o estimar em meu coração, o estimar é um processo incessante, está sempre em estado de “estimando”. Tal como um jardim que se rega diariamente...
—É o coração da amizade...
—Às vezes quando estou na calçada caminhando, numa noite enluarada...
—Não tão fria, não é?
—Não me faça, ou melhor, me faça rir, Sapabela.
—Pois então?
—Ponho-me a pensar que um sapo que caminha é mais do que um sapo quando ele recebeu um abraço de uma sapa...
—Uma namorada?
—Ou uma amiga...
—Sim?
—Então, o sapo que foi abraçado foi enlaçado pelo abraço, e sendo assim...
—Sendo assim?
—Ele é um sapo que caminha com um abraço. Ele leva consigo, em si, o abraço. Ele é algo além dele, é também um abraço, o abraço nele impregnado está...
—Então, o abraço não é só no momento?
—Naturalmente que não. Quem é abraçado passa a pertencer ao abraço... E o leva consigo... Um sapo de verdade não consegue se separar de um abraço...
—Muito bem, estou entendendo o seu papinho. Um pouco assim tipo Cartola, não é?
—Ao falar de Cartola você me faz pensar na sua alvorada, no morro que ele cantava...
—Pois é...
—Bem, Sapabela, Vamos nos preparando para o mundo do tablet...
—Rospo, todo esse assunto me fez pensar... num tablete...
—Um tablete?
—De chocolate, Rospo!
—Chocolate com abraço.
—Claro... Depois estarei olhando pela minha janela as estrelas que inventam brilhos de segredos de amor...
—Tem padaria aberta ainda.
—Aceito!
—Vamos. Um tablete de chocolate é sempre esse algo que falta em certos momentos...


Após se abraçarem, Sapabela diz:
—Certamente nesta madrugada irei sonhar com um sapo amigo numa calçada levando consigo um abraço.
—Yupiiii!
—Sem es-cân-da-lo, por favor! Sabe que horas são? A vizinhança está dormindo.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 799
Marciano Vasques

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