REECONTRO BEIRA LAGO
Estava o Rospo ouvindo
“Colcha de Retalhos” com as “Irmãs Galvão” quando a
Sapabela se aproximou.
—Olá, Sapa! Que
surpresa!
—Lembra-se de mim?
—Sim, estava saindo
da floricultura...
—E você fez aquele
escândalo todo. Onde já se viu? Ficou lá na calçada gritando:
Yupiiii! Yupiiii! Yupiiii! … Juntou uma aglomeração de sapos...
—Foi apenas
entusiasmo. Nunca havia visto uma flor andando...
—Precisava aquele
escarcéu todo?
—Eu precisava chamar
a sua atenção!
—Poderia ter apenas
escrito um bilhete, dizendo que queria a minha amizade...
—Eu fiz isso!
—Eu sei. Encontrei
num ramalhete. Mas escreveu duas palavras que eu desconheço...
“Longe e Depois”...
—É que eu estava de
partida, com viagem marcada para a cidade...
—Sapo, como é mesmo
o seu nome?
—É...
—Precisa falar não.
É Rospo.
—Você guardou?
—A minha avô tinha
uma cestinha de vime, que na verdade era até um pouco grandinha para
os nossos olhos de infância, e nela ela guardava uns apetrechos,
umas coisas brilhantes, simples e pequenas. Tinha novelo de lã,
bolinha de gude, uns carretéis, dedal, retrós com linha roxa,
botões, de todas as cores, “Um almanaque”, algumas
decalcomanias, umas pecinhas de porcelanas, uns anéis de vidro, umas
rendinhas, uns lápis, uns broches, umas fitinhas de seda, e sempre
umas balas e uns docinhos...
Ela guardava aquilo
como um tesouro. E vivia dizendo que não podíamos tocar naquela
cestinha, que nela estavam os cacos dos azulejos de sua vida...
—Então, por qual
motivo punha as balinhas e os docinhos? Criança tem faro de
formiga...
—E quem entende as
avós? Essas criaturas são feitas de um acolchoado de amor... Quem
desperdiça tempo demais querendo entender, perde o tempo de amar...
—Mas fico feliz...por
você estar aqui...
—Quem espera sempre
alcança?
—Quem disse que sou
de esperar? E aquela algazarra de Yupiiii!? Conte-me um pouquinho de
você, já que nossa amizade está brotando...
—Tenho uma alma
novidadeira, que pulsa forte a cada nova descoberta, adoro poder
pensar que gostaria de rolar no gramado com as crianças, faria todo
tipo de guerra que a infância gosta: guerra de esguicho de água de
mangueiras, guerra de travesseiro, guerra de mamonas..., adoro ler,
leria até uma montanha de livros, e nenhuma hipérbole nisso; minhas
roupas não combinam, mas gosto de me sentir vestida com o jeito do
meu coração: shorts, camiseta, vestidinho, muitas cores, amarelo,
vermelho, verde, azul, sou bem africana..., visto-me de acordo com a
alegria, como se estivesse a cada dia me sabadoficando...Sou pura
“caleidoscópio”, e pura também, mas não ingênua, pois sei que
a serpente ama o seu próprio veneno e se regojiza com seu próprio
coito; vivo cantando cantigas, adoro samba “que é do samba” —
se pudesse enchia a minha casa de samba e abriria todas as janelas, e
a cadência do samba atravessaria todas as frestas e se espalharia
pelas praças, também gosto de rock, dessa “doce bárbara
energia”, blue e a sutileza do choro da lua; algumas canções são
eternas em mim, como “Volare”, sou louca por cinema, alguns
filmes fazem parte dos meus mecanismos internos de defesa; sou meio
atrapalhada e convivo bem com minhas atrapalhações, mas, acredite,
sou bem disciplinada nos meus quereres: vou à luta; fujo de sapas
mal humoradas... Sou feliz, sinto-me uma dançarina, mas... Estou
sempre de prontidão para gritar contra as injustiças do mundo. Não
tenho interesse pela militância política, não suporto o que é
partido, talvez porque sempre seja inteira... prezo a ética, acima
de tudo... A moral é outro papo. Chega! Fale de você, quero saber
um pouco, já que seremos amigos... Quer dizer, já sei que é meio
maluco, pois aquele alarido todo na calçada... Hoje não trabalho
mais na floricultura. Prestei um concurso para Restauradora de
Palavras...
—Sapabela. Você é
já restauradora de Pensamentos...
—Guardou o meu nome?
—Um nome assim levo
comigo pelas calçadas por onde vou... Gosto da cidade, se pudesse
todas as tardes estaria vagando, olhando as luzes... Aprecio a
serenidade do lago, mas amo as espumas santistas nos rochedos...
Necessito ler, mas não apenas livros e jornais... Também gibis
antigos... Porém não vivo no passado... O presente sempre me
apaixona... Sou entusiasta da amizade, acima de tudo, a amizade é a
devolução da alegria, não escrevo “Eu te Amo!” a granel...
Também prezo e fecho com a ética, sempre... Lembro-me sempre de um
poeminha: “Não milito. Militar me limita”. Acredito nos sonhos,
mas eu os levo na mochila do pensamento quando me disfarço de
multidão... Adoro a solidão escolhida, e adoro festas, mas primo
pelo drinque e pela conversa com alguém, com um amigo, uma amiga...
Não troco um encontro assim por nenhuma badalação. Não me
enquadro em nenhum grupo. Já rasguei a cidade ao meio em passeatas,
já fui “papagaio” e repeti palavras de ordem, sem anterior
leitura substancial... mas não me arrependo do que fiz... Sou adepto
da “Circunstância”. No fundo, é ela que faz História. Hoje o
meu estardalhaço é a risada autêntica, plena, de expansão; adoro
alguns nomes, como Clarice, e palavras balsâmicas da alma...
—Creio que nos
daremos bem, Rospo, e seremos amigos...
—Yupiiii!
—Precisava tão alto
assim?
—Amizade é para se
celebrar com euforia, com alegria explosiva, sempre.
HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 809
Marciano Vasques
Que delicia de sentimentos transcrito em palavras...
ResponderExcluirAbraço Marciano Vasques
cvb