quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A INESGOTÁVEL FONTE QUE ACABA

—Rospo! Sexta-feira!
—Maluquinha? Hoje é quarta, ainda.
—É mesmo! Eu sempre me esqueço. E então? Alguma novidade?
—Tenho uma charada.

—Essa é fácil!
—Não falei, ainda. Engraçadinha! Vamos lá: o que é "A inesgotável fonte que se acaba"?
—Isso não existe, Rospo! "Fonte inesgotável que se acaba". Ora...
—Afinal você tinha razão, é fácil.
—Então diga, por favor.
—É o perdão.
—O perdão?
—Sim, nas agonias cotidianas, nos conflitos, nas desavenças, nas intempéries da rotina, o perdão sofre o desgaste de seu próprio atrito. Mas segue em retidão contemplando a sua própria essência, que é ser inesgotável... Porém... O desgaste de seu próprio atrito é implacável...
—E como é isso?
—O ser se contempla a si mesmo no perdão. É uma das mais benéficas ações do espírito...
—Prossiga, pois agora começou, e se parar, não tem perdão.
—Quanto mais se perdoa um parceiro pelas enganações, pela aspereza ou pela secura das indelicadezas, mais nos tornamos frágeis diante dele.
—Agora complicou. Disse que é benéfico...
—É simples.
—Tudo é simples, quando se sabe.
—Bonito.
—Mas não é minha a frase, é de Lee Falk numa história que se perdeu no tempo.
—Leu gibi quando sapinha?
—Sim, e essa conversa tão digressiva...
—Fale da história, Sapabela.
—Uma do "O Espírito que Anda".
—Também leu?
—Você pensa que eu vivia em qual mundo, meu amigo?
—Tem razão, mas prossiga com a história do perdão...
—Era você quem estava falando, Rospo!
—Verdade, verdade, na odisseia do Adeus, o perdão cumpre um papel primordial...
—O perdão?
—Sim, cada lasca que um tira do outro, cada assombro diante das reações tempestivas... Cada desilusão, cada arrogância, no acervo de farpas...Tudo isso contribui para que a inesgotável fonte que é o perdão, aos poucos vá secando...
—Entendi, tudo que é demais enjoa.
—Nem tudo, mas vale o senso comum... pois tem uma lógica... Mas, volando...
—Volando?
—Eu quis dizer, voltando.
—Sei, mas acabou voando. Pois fale, agora...
—É isso, querida. De tanto perdoar o perdão se mandou... Cansado ficou, e ...
—Deu pra entender. Por mais que você maltrate, acreditando na boa fonte do perdão, mais se aproxima do momento em que o outro dirá que perdoar não é mais um investimento da alma.
—Sapabela, vamos a um licor de anis?
—Rospo, hoje é quarta!...
—Ponha uma sexta-feira na sua quarta...
—E?
—E vá se alegrar, pois toda alegria é perdoável quando é pura...
—Alegria que não seja pura já era...
—Sapabela, posso dizer algo?
—Nem precisa pedir. Diga.
—Você está cada vez melhor.
—E ainda estamos na quarta.
—Yupiiii!
—Conte-me sobre a odisseia do Adeus.
—Quer tudo numa história só?

HISTÓRIAS DO ROSPO — 2012 —838
Marciano Vasques

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