quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A MAIS FEIA POBREZA DO MUNDO

—Sapabela, totalmente feliz hoje?
—Que me dera!
—Quem me dera rima com quimera.
—E o que isso tem?

—Às vezes a quimera é uma desculpa.
—Nesse cutucar, está querendo dizer algo, Rospo?
—Sei não. Fico às vezes matutando. A vida já tem um sinônimo em termos de motivos...
—Mais clareza, por favor...
—Da mesma forma que ela, o Facebook ensina tanto sobre a alma ... Com a diferença de que ele é mais revelador...
—Como o instigante é atrativo! Estou chegando lá. Siga em frente, afinal é a única saída, sempre...
—Pois é... Mas estou mesmo fascinado com a grande descoberta, que vive encoberta em dissimulados semblantes , e às vezes, na beleza da superfície.
—Que descoberta, Rospo?
—A mais feia pobreza do mundo.
—Toda pobreza é feia e triste, Rospo, penso.
—Não exatamente. A pobreza material na verdade não exclui a poesia... Ao contrário, na pobreza ela viceja  da mesma forma que a ternura, que pode inclusive ser repartida... A pobreza geralmente torna-se especialista em repartir... Nas confidências empoeiradas dos vilarejos a pobreza ressurge na fortaleza da generosidade... Eis aí o imperceptível vicejar poético...
—Dependendo do ponto de vista... Pois, naturalmente, pode gerar violência...
—Violência não é um atributo da pobreza...
—Nem de longe pensei isso. Mas, prossiga...
— A mais feia pobreza do mundo é a de espírito... que é a feiura da alma...Quer saber onde brota a feiura da alma, e porque facilmente se alastra corroendo a grandeza do Ser?
—Muito bem, acato, e falou de rostos dissimulados...A que exatamente se referiu, querido caro amigo?
—Semblantes dissimulados implantam até mesmo sedutores sorrisos... 
—Sim, a pobreza espiritual, e essa palavra tem aqui uma semântica mais expansiva, e ela, essa pobreza da qual falamos, pode até residir no coração de quem entoa cânticos, de quem louva... Acredita, Rospo, que a futilidade das conversas dos adultos seja uma das responsáveis pela modelagem da loucura contemporânea,  que inventou o ter sem ser?
—Eu? Você é muito exigente, Sapabela! Mas sobre o que pincelou, pois é, de nada adianta louvar se a alma não se consegue lavar no cristalino riacho da poesia, que desata olhos nublados; esse riacho que simboliza a transparência das coisas que se calam...
—Rospo, não me entrelacei em seus reais motivos, ou causas geradoras... Mas estou ao seu lado: a mais feia pobreza do mundo é a pobreza de espírito...
—Sapabela, essa conversa me animou. Que tal...
—Aceito!
—Nada como a elegante ligeireza de uma sapa...Eu ia convidá-la para um licor de saideira...do dia...
—Já indo, meu querido. Saideira, para mim é porta de entrada de alegria renovada. Sempre me despeço com gosto de ficar. Na verdade, não me despeço, apenas me peço. Quem se despede às vezes se desperdiça ou despedaça de tanto se despedir... Sou autêntica, Rospo! E me autentico na mais pura sinceridade... Tem quem se despede e quem se despe... Vivo a me despir  diante da alegria de Ser... A madrugada reclama a falta dos trovadores... E de luzes me transbordo e bailo num risco azul que zela por nós.
—Sapabela, que saborosa faladeira! E nem tomou o licor de anis.
—Sapa, meu amigo, sapa...
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 841
Marciano Vasques

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