domingo, 11 de novembro de 2012

NA BOCA DA NOITE

 eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!
—Repita, querida.

—eeeeeeeeeeeeeeeeeeee!
—Que alegria é essa, Sapabela?
—Estamos na boca da noite do domingo.

—Adoro essa catacrese.
—Boca da noite me faz pensar em beijo, beijo de estrelas no céu da boca, farrapos de sonhos, ciganos e circos, noite é imensa, menina, aproveite, escreva algum verso e oferte pra lua.
—Inspirada, amiga?
—Rospo, a boca da noite do domingo sempre me deixa assim...
—Faz tempo quero ouvir falar algo de você...
—Nada de novo, Rospo. Sou a mesma. Uma Sapabela apenas. Como bem sabe, sou meio atrapalhada, aliás, eu já disse, não gosto de nada que seja metade, sou atrapalhada por inteiro, e vivo a repetir que minhas roupas não combinam, que adoraria rolar na grama, que amo a maresia, que uma noite de luar me devolve o melhor de mim...
—Você é adorável, Sapabela. Sinto um orgulho tremendo de ser seu amigo.
—Pois não sinta um orgulho tremendo, de tremer já basta os que vivem em medo...
—Resolveu brincar com a Língua, não é?
—Sou plena de idioma. Adoro as palavras, elas me cativam, e me cultivo, sou mais Mia Couto do que todas as autoridades do mundo. Adoro amizade, amor... Isso sempre fala mais alto e rompe os grilhões, as correntes, os bloqueios...
—Não entendi bem isso do rompimento...
—Sapos se separam e se afastam por causa de Política, e às vezes, de Religião... Você sabe, Rospo, mas tem algo que resiste mais que cantiga...Algo forte, absoluto, algo de rara e extraordinária força e beleza, que é a amizade...
—Amizade é algo meio descartável hoje em dia, para muitos...
—Quando falo em amizade, refiro-me ao amor pela Poesia, pelas artes, pelas letras, e esse amor se traduz na amizade sincera e forte que aproxima e une os mais distantes sapos...
—Entendi: a Arte, a Literatura, podem aproximar e até unir aqueles que se afastam por causa da Política, ou da Religião...
—Pois é, Rospo... Os que se unem por amor à arte ou à poesia se tornam fortalezas eletrizantes...
—Parece meio puro isso, meio romântico... Tem muita falsidade no mundo artístico e literário também...
—Mas estou me referindo àqueles que se aproximam por amor, e esses jamais se deixarão contaminar pelo luxo das separações vulgares, das motivações da inveja, e outras flores banais... Estou me referindo àqueles que se encontram na longa jornada da arte e das letras, e trilham caminhos atapetados pela delicadeza da dedicação...
—Que bonito, amiga!
—Pois é, esses aprenderam e regam a cada nova manhã a necessidade imbatível de se viver em retidão.
—Esse viver em retidão é que me atiça,  e me emociona. Alguns poderão pensar que nessa retidão pode caber uma fuga dos prazeres da vida, um recolhimento, um afastamento do movimento da alegria, e isso nada tem a ver. Ao contrário, é viver em retidão que nos autoriza e viver intensamente a alegria.
—Nossa, Rospo! Você se entusiasmou. Que tal um licor de anis?
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Tudo bem, tudo bem. Mas, sem escarcéu. Você não toma jeito.
—E você toma, minha lindinha?
—Eu?, eu tomo licor de anis.
—Grandes virtudes, Sapabela! É por isso que nossa amizade viceja no eterno grão iluminado pelas estrelas.
—Rospo, que céu da boca!...
—Nem abri a boca!...
—A boca da noite, meu querido.
—Viva a grande catacrese, viva o domingo em todo o seu esplendor.
—Vamos à Padaria Rubi.
—Vamos, minha virtuosa amiga.

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012    — 840
Marciano Vasques

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