segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

AGUARDANDO A VIRADA

—Rospo!
—Sapabela! Que alegria! Hoje é o último dia do ano! Vamos começar logo cedo a comemorar?
—Estou com você, Rospo.

—Poderemos ir numa garapa geladíssima, ou numa anisete... Que tal?
—Embarcando na alegria e na festa da vida, estou nos dois. Primeiro a garapa, depois anisete. E você? Certamente já ouviu se comentar ou se escrever que todo final de ano é a mesma ladainha. Alguém prometendo que vai mudar de vida, vai promover mudanças, vai realizar tal coisa, vai modificar ou abandonar velhos hábitos...
—Em primeiro lugar, Sapabela, se alguém conquistou com o seu trabalho e currículo um espaço na imprensa onde pode escrever o que der na telha...
—Na telha eu gosto do orvalho deslizando, e também da água na calha... Rospo, aquela delicadeza de som escorrendo pelo telhado, e nós dois, quer dizer, um sapo e uma sapa fazendo tudo de bom para preparar a noite da passagem... Quando eu era pequenininha, eu dormia, não aguentava depois das nove, mas meu pai sempre me acordava aos berros, dizendo: Busca a sapinha! Busca a sapinha! Sapinha! Sapinha! Venha! Corra para ver lá no alto a chegada do Ano Novo! Corra! — e eu, sonolenta, corria pra varanda para ver a magia. Como tenho tanta gratidão pelo meu pai!, e agora, pelo privilégio de ver mais uma passagem. É tudo tão simbólico, e por isso mesmo, encantador.
AS coisas têm o significado da felicidade, e podem brotar em seu estômago, no seu olhar, em seus ouvidos... Naqueles momentos, para mim, o Natal era representado pela rabanada, e a virada, pelos fogos. Mas a Poesia em tudo era a satisfação da necessidade intelectual, que nos move a alma, que eu, uma sapinha, uma criancinha, ainda não compreendia. Mas fale sobre quem escreveu sobre a ladainha...
—Sapabela, parece um pouco de arrogância intelectual, que é, para mim, a maior de todas, a mais terrível. Veja só, não se pode falar dessa forma...
—Por que não, meu querido?
—Todos querem mudanças, cada qual, cada sapo, cada sapa... Só as crianças que não, elas ainda não têm a herança dos anos vividos, isto é, o acúmulo de erros ou insatisfações. Isso é da vida adulta. A criança só quer brincar e ser feliz, e tem uma resistência fenomenal, pois às vezes apanha, e apanha de um adulto, e depois ressurge sorrindo. A alma do verdadeiro super-herói está na criança.
—Apanhou na infância, Rospo?
—Claro que não! Minha mãe sempre ralhava. Primeiro ela fingia que não estava vendo as nossas artes, pois afinal eu e minha irmã sempre fomos saudáveis...que em se tratando de criança, é sinônimo de arteiros, e ela sempre fingia um tempão, depois ralhava...quando já estávamos passando do limite... Naqueles dias tinha essa coisa chamada limite... Mas, diante da nossa alegria, como era longe aquele tal de limite! Mas era profundamente respeitado...
—Pois bem, continue.
—Todos querem mudar os hábitos, parar com um vício, adquirir uma nova postura, tocar um sonho ou um projeto em frente. Mas é muito difícil, minha querida, tanto para o operário, como para cada trabalhador explorado, para o pobre, para quem tem a vida repleta de carências e necessidades, é sempre muito difícil, por isso a maioria não consegue, e quando os meios de comunicação abordam nas matérias em forma de hipocrisia light, mostrando que tal fulano não conseguiu, e depois de alguns dias se esqueceu das promessas, o que os diplomados não sabem ou não mostram, é que a vida é dura. Muito dura, minha querida.
—Prossiga!
—Para os que vivem às custas do Sistema Financeiro, para os que brilham no mundo do dinheiro ou da fama, alguns que são portadores de fortunas e de reconhecimento público é mais fácil. Veja o caso de quem vive na fama, mas no fundo tem a vida ou a mente tão vazia e esse vazio se extravasa nas declarações de capas das revistas, onde se é possível mostrar as caras porém jamais as almas, então, para quem vive lá em cima, é mais fácil, mas para o sapo simples que engole a fumaça e a poeira das vilas pobres da periferia, e dança para pagar as contas e os juros exorbitantes dos compromissos financeiros e depois, dança à noite no forró da vila para transbordar seus olhos da água oculta da saudade de um lugar para onde talvez jamais conseguirá voltar, para esse é mais difícil e na maioria dos casos, impossível.
—Entendi, as condições materiais influenciam e são até determinantes...
—É aproximadamente isso, Sapabela.
—Então o pobre, o desprovido, o desvalido, não deve prometer, não deve fazer promessas de ano novo?
—Ao contrário, Sapabela!  Suas promessas são sinceras, nascem do fundo da alma, do desejo de mudanças... Ele quer ser dono de sua vida...Ele quer mesmo transformações, realizações... Deve sim fazer suas promessas, pois não são promessas de marqueteiro, não são promessas de campanha política... Há de fato sinceridade nas promessas...
—E qual é a solução, Rospo?
—Pode até prometer aquilo que deseja ardorosamente, como parar de fumar ou coisa assim, mas... mas...
—Que suspense, amigo!
—Mas deveria se ocupar com as promessas que efetivamente poderá cumprir, que só depende dele, e não da realidade da vida, não dos meios materiais...
—Sim?
—Vasculhar os porões da mente, varrer, remover os entulhos, as falsas ideias, os temores, os sentimentos destrutivos, como a inveja, o ciúme do outro, e coisas assim...
—Interessante.
—Sim, varrer os porões da mente e retirar os entulhos, e todo aquele lixo que trava a vida e impede o pleno desenvolvimento do ser. Estou querendo dizer que as grandes revoluções..., a grande mudança começa no interior de cada um. Ao limpar, desinfetar, arejar os porões da mente, o sapo se credencia para modificar concretamente a sua vida a partir de suas mudanças interiores, isso não o removerá imediatamente da condição de alvo da crueldade e da brutalidade do sistema financeiro, por exemplo, mas ele estará tão fortalecido que certamente poderá emitir luzes, ou seja, argumentar, pois nada mais é o argumento do que a emissão de luzes...
—Rospo, chegamos à padaria Rubi... Vamos à Anicete?
—Sim, mas veja na Praça Azul, o nosso garapeiro. Vamos até lá primeiro.
—Incrível, Rospo!
—O que foi, Sapabela?
—Como você se apega ao simples!
—É dele que extraio a seiva da felicidade.
—Faz, Rospo, faz!
—Bobo se eu não fizer...Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 842
Marciano Vasques

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