domingo, 30 de dezembro de 2012

TRANSLAÇÃO E ANISETE

Rospo! Uau! Quase chegando!
—Sim, a translação maravilhosa, pois é de maravilhas que falamos. Adoro o verbo "falar". É a fálica ação fecundante da voz no mundo. 
—E o verbo sempre esteve no princípio de tudo, desde que o mundo foi batizado pela palavra. Mas, prossiga...

—Podemos inventar calendário, e calendário é uma das mais doces ilusões inventadas pelo Sapo, é um algodão doce infinito.
—Ilusão?
—Sim, assim como tantas outras coisas mais diante da infinita grandeza da translação, que está acima de todas as mitologias, mas é generosa, pois a generosidade é a portabilidade de tudo que é grande, a generosidade é o fogo-fátuo, o atributo maior...
—A que se refere ao mencionar fogo-fátuo?
—A fosforescência azulada da luz que se move e se torna um esplendor de geração de lendas no espírito do povo simples...
—Ainda não vi a conexão.
—A generosidade é o fogo-fátuo, pois ao cumprir o ciclo da vida visto que é luz nascida da decomposição de seres vivos, ao ressurgir como lenda nas conversas dos sapos dos vilarejos que beiram os pântanos, naturalmente não perde a sua beleza.
—Mas tem uma coisa errada aqui, Rospo.
—Diga, meu bem, errar é anfíbio.
—Diz que a generosidade é atributo da grandeza. Não sei, pois, qual filosofia está seguindo ou plantando, mas tem muito sapo grande esmagando na forma de opressão a multidão governada.
—Engano seu, minha nega.
—Tem coisa mais linda que essa "Minha Nega"? É a expressão mais colorida da alma popular. Fico a pensar, às vezes: um país que tem Jorge Amado, Lia de Itamaracá, Solano Trindade, deveria ser uma país feliz, porém de felicidade e de alegrias autênticas, sem camarote de cerveja... Todavia, adoro me enganar. Diga, eu errei ao dizer que tem grandeza oprimindo os povos de diversos lugares?
—Sapabela, não consigo ver e não vi uma só vez grandeza em ditadores, e ditaduras representam o charco dos povos, a tristeza cobrindo uma nação. E como sempre uma nação de povo bonito, e sapos e sapas fortes, mas que são pela força bruta oprimidos. Como é possível se falar em grandeza? Não há e jamais houve qualquer resquício de grandeza em quaisquer ditaduras, e ditadores são pobres, são pequenos, infames, e jamais inflamarão a vida com alegria pois são anomalias, excrementos do Ser. Ditadores são pobres e infelizes. Duvido que encontrará uma só alma feliz de algum ditador! São frágeis e desprezíveis, e só se mantém pela força bruta. E desconhecem outras forças, como a do afeto, e quando essa força entrar numa ciranda, ditador treme desde o alicerce. E seu destino é único, irreversível: ser erradicado, expulso pelo ódio e pelo desprezo da multidão...Ditaduras nascem para serem derrubadas. Essa é a inexorabilidade. Esse é o seu eterno agouro, o seu impecável destino.
—Sim, concordo. Não há grandeza no espírito que implanta ditadura... A grandeza a que se refere está na insondável força universal que ronda a brilhante translação. E viva a translação!
—Vivo!, e devemos agradecer ao espírito do sapo que criou as doces ilusões como o calendário, pois assim organizou a alegria e a felicidade. Parece pouca coisa, mas quando você abraça alguém, mesmo em pensamento, na virada do ano, está simplesmente dizendo: Cá estou, no limiar, no marco, no início de uma nova translação, e é por isso que eu já disse...
—Seja o que for, diga outra vez, meu nego.
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Gostou, não é? Mas não precisa esse escarcéu. Parece até uma revoada...
—Digo sim outra vez: enquanto o astro, o rei, vai realizando a sua translação sem vaidade, completando o seu ciclo, eis que muitos sapos durante essa translação a qual chamamos de ano, envolve-se com fofoquinhas, com ciúmes, com inveja, e se esquecem do grande antídoto contra o entrelaçamento desses sentimentos baixos...
—Qual o antídoto?
—A produção. O sapo que produz estará livre de ser arrebatado pelos sentimentos tristes. Produza que não terá sequer tempo para sentir inveja de alguém... E se o sapo quiser ser feliz, e jamais será se for um prisioneiro desses sentimentos, como o ciúmes, e se quiser, basta olhar para o alto e se lembrar que o alto é ilusório, pois ele está numa translação, e então poderá simbolizar o seu agradecimento por isso talvez plantando um girassol.
—Muito bem, meu querido. De onde está vindo?
—Do banco.
—Qual banco?
—Aquele do para-choque de caminhão.
—Como assim?
—"Se correr o bicho pega, se ficar o ....toma"
—Sei, e está de chinelo novo.
—Ganhei de presente de Natal, mas a porta travou.
—Não conseguiu entrar no banco?
—Não, estava com a minha mochila, e tinha um livro dentro. Estou relendo o "Rei Lear"...
—Mas a porta só trava para metal, não trava para literatura.
—Mas travou e passei por um constrangimento longo, pois o vigilante não quis destravá-la de jeito nenhum e ainda teve a audácia de me propor que eu encontrasse um local parar deixar a minha mochila.
—Como assim?
—Sim, e não destravou a porta, de modo algum.
—Chinelo, meu amigo...
—Estou de férias e me sinto no direito de entrar no banco de chinelo... Não creio que haja no banco a visão predominante de "pé de chinelo". Então, fiz algo que o cidadão deveria fazer: por sorte passava um militar fardado e pedi para que ele revistasse a minha bolsa. Ele revistou e constatou que nada havia nela além do shakespeare.
—E então?
—O vigilante resolveu destravar.
—Impressionante! Mas diz o banco que o travamento da porta não é acionada pelo vigilante, pois ela trava automaticamente, sozinha.
—Certamente ela gosta de afagar o banco.
—Sim.
—Sapabela!
—Sim, meu querido!
—Anisete?
—Alba!, estou com saudades de anisete. Com licor de anis e uma boa amizade...
—Sem pleonasmo, querida. Amizade só é boa. Se não for boa, não é amizade.
—Verdade, amizade já contêm em si o atributo de ser boa. Vamos?
—Vamos, e a grandeza se manifesta assim.
—Como?
—A amissão de luzes do universo em sua translação transporta a grandeza insondável aos corações da amizade.
—Rospo, sinto-me gratificada por participar dessa sintonia universal, por estar enlaçada nessa translação maravilhosa, e ainda num domingo de anisete.
—Vamos começar a comemorar aqui: com a nossa amizade, a nossa conversa...
—Já estou comemorando, amigo. Feliz 2013! Quer dizer, Feliz nova Translação.
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

HISTÓRIAS DO ROSPO 2012 — 840
Marciano Vasques

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