sábado, 26 de janeiro de 2013

REENCONTRO

—Pra regozijo pequeno vale a pena não.
—Essa voz!
—Só vale para alegria imensa.
—Rospo!
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

—Pensei que não voltaria mais. Nem imagina os meus olhos. Cheios de água.
—Eu sei, e não esqueci a nossa amizade um só dia.
—E chegou falando da alegria.
—Sim, dizendo que tudo só vale pela alegria imensa. Mas esqueci de dizer algo: toda alegria é imensa em si. A sua imensidão está na simplicidade de ser. Alegria é como a felicidade, o que ela exige já está no sapo, no próprio sapo.
—Rospo, não teve um desconto a tristeza do meu coração. Olhos cheios de água, meu querido.
—Saudades da nossa conversa, não é?
—Nossas conversas.
—Nossa, pois é uma conversa que se estende em partes, em retalhos, em encontros, recomeços, e recapitulações.
—Então, Rospo, nenhum desconto.
—Os sapos vivem querendo desconto no preço das mercadorias, e o desconto é a alma do negócio no espelho das ilusões do grande sistema monetário.
—Um desconto reduz o preço...
—Na vida é assim também, minha querida. O desconto reduz a vida, reduz a alegria...
—Como assim, Rospo?
—Ao solicitar um desconto você está puxando a sua vida para o desbotar de uma rotineira vida sem sabor... Está desventurando a vida, está reduzindo a chance da própria vida girar em torno da sua essência, que é a potência da alegria na força motriz do girassol que gira a sua energia...
—Vamos lá, Rospo, vamos lá! Continue esse assunto que ele já beira a um licor de anis.
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Está bem, está bem. Amo a sua empolgação, mas fale, por favor! Que papo é esse do desconto da vida, de reduzir a chance da felicidade?... Vá Rospo! Vá fundo!
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Não pode ser!
—Mandou ir fundo, fico assim destemido, ou seja, perco o temor, e  a timidez...
—Vou procurar em todas as ladeiras da cidade pra ver se encontro a sua timidez rolando por aí, perdida em algum canto...
—Muitíssimo engraçadinha. Mas vou continuar sim: vejamos. O desconto da vida é o descontar.
Desconto é o avesso do conto, é a negação do conto. Uma vida não contada é uma vida descontada. Uma vida sem conto nem acontece. Afinal, o que ela é, a vida? O que é além de um conto que se tece, que acontece, que se conta ligeiro, pois a própria, bem sabe, é um conto ligeiro.
—Muito bem, a vida é um conto, isso eu já sei. Só não sabia que um desconto é uma vida ausente de contos... Quer dizer, um desconto é a negação do conto. Ao pedir um desconto na vida está reduzindo a sua necessidade de ser vida, isto é, a sua certeza de que é para a felicidade. Bem sei também, tristeza não vale a pena, e ausência de produção é carência de potência. A vida só vale a pena pelo conto que de si conta. Pelo que se tece que a tem. Viver é tecer, mas é um tecer de contos. Pedir um desconto é se acorrentar no emaranhado das ilusões.
—Isso, nunca queira um desconto na vida, só no mercado, só no capitalismo... Pois ele é especialista em manutenção da ilusão. De desconto em desconto o assalariado, o explorado, se ilude e vai tocando a vida... Mas viver é mais do que consumir, mais do que sobreviver... Viver está além do sobreviver... Não sobreviva, viva!
—Rospo, uma vida na íntegra, sem desconto, o que para você é?
—É uma vida autêntica, onde a mentira não encontra refúgio, e é uma vida produtiva, pois é na produtividade que reside a potência chamada felicidade.
—Essa tal potência, essa felicidade, pode ser alcançada por qualquer um, Rospo?
—Qualquer um pode ser um alguém, e só um alguém pode alcançar tal benefício, tal riqueza, e esse bem está lá no interior, dentro de cada um, fale por si a sua alma.
—Mas, e as condições sociais, Rospo?
—Um mergulho em si é o princípio honroso de toda transformação. A partir de si, da organização de sua casa interior, o sapo, qualquer um, pode valsar no eterno recomeço de buscar a sua alma, que simboliza o bem querer da felicidade na potência do produzir, lembrando que não podemos confundir essa produtividade com exploração, pois um sapo explorado perde a sua alma.
—Precisa clarear isso um pouco, Rospo.
—A partir do mergulho original, do mergulho primordial, o sapo estará apto para buscar o coletivo, com a consciência destravada, límpida e corajosa, sem neblina, sem nódoas, e então, no coletivo ele enfrentará ao lado da multidão consciente, as batalhas para promover as transformações em suas circunstâncias sociais. É para isso, e somente nisso, que o coletivo é necessário.
—Fale um pouquinho mais desse coletivo.
—Todas as direções do coletivo devem mirar apenas, e tão somente, o sapo, o sapo em si, em sua ação sujeita, em seu querer, em sua individualidade. Se o sapo, posteriormente, após um movimento de transformação social, uma revolução, se torna escravo ou dependente do coletivo, ele perde a sua alma, ele se torna um sapo de vida descontada. Todos os movimentos orientados e conduzidos pelo coletivo devem objetivar unicamente a liberdade do sapo,  e essa liberdade tem um nome: felicidade, pois só em liberdade plena o sapo pode esbanjar, realizar a sua produtividade, sem forças que o impeçam. O impedimento é a chave que abre as raízes da atrofia.
—Rospo, essa conversa me abriu uma vontade.
—Diga, amiga.
—Licor de anis.
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Amigo, vou dizer uma coisa: Nada como um reencontro. E tem mais:
—Tem?
—Sempre tem, meu amigo.
—Pois que diga.
—Vida autêntica é vida sem desconto.

ROSPO 2013    —    850

Marciano Vasques

Um comentário:

  1. Hola ¡Que´contentos estáis Rospo y Sapabela, con el licor de anís ¡eh!
    ,pero no os pasíes, a ver si váis a emborracharos y no sería bueno.
    Deidle a Marciano, que estoy muy falta de tiempo, pero que me acuerdo de su casa azul, que fue uno de los primeros blogs que visité y me hice seguidora.
    Sóis unos personajes deliciosos y os mando un beso, desde Valencia, Montserrat

    ResponderExcluir

Pesquisar neste blog