sábado, 23 de fevereiro de 2013

A VOZ EMBARCADA

—Sapabela, estou com a voz embarcada...
—Rospo! É voz embargada!
—No meu caso, agora, é embarcada mesmo. Sabe aquela catacrese?
—Pois fale então...
—Embargada é voz emocionada, encharcada de água na sonoridade. A voz embargada tem o timbre do pranto...
—Mas a sua está embarcada...
—Isso! Minha voz já embarcou, está embarcando, está pronta para a conversa. Está rogando pela sua natureza navegante. Acostumou-se com as asas mergulhadoras. Uma voz embarcada é a voz laçada pela conversa. É a voz içada....
—Que lindo, Rospo!
—Sabadoficou?
—Está sonhando? Já é noite de sábado! Daqui a pouco estaremos no domingo da parlenda.
—Noite de sábado! Amo a imensidão sobre nós.
—Pascal!
—Nem tanto, Sapabela. Mas, preciso dizer algo. Tudo que se quer dizer é mais do que apenas vontade, é precisão...
—Precisão é se dizer, se calar permanecerá apenas como necessidade. E você sabe, o que é preciso é retidão, veja os argonautas.
—Minha querida amiga. Você sempre se supera...
—Nem tanto, mas diga o que tanto necessita e transforme seu dizer numa precisão.
—Sobre embarcar na conversa me fez pensar na solicitude da palavra. Como a palavra é arada! Seu sulco é a própria alegria da vida...
—Rospo, diga algo sobre a palavra...
—A palavra é a voz dos tempos a nos dizer que somos mais fortes por cultivá-la...Ela nos remete ao mundo do pensamento, e nos arremessa para a sincronização universal...Seu sumo é a glorificação das angústias que se expandem na edificação da alegria que se expressa. 
—Você por acaso bebe nalguma fonte estelar?
—Não, nada. Apenas sigo a orientação inefável.
—Rospo!
—Quer dizer. As noites em que o pensamento viajava na imensidão foram os alicerces de um Ser cujo coração se apega ao que de imenso não se dissipa...
—Rospo, está muito profunda essa conversa. Sinto que se a voz está embarcada, a alma está embargada...
—É, vamos para a alegria. Afinal, uma noite de sábado é sempre única.
—Penso que todas as noites são assim...
—Sapabela, que tal?
—Diga...
—Vamos....
—Aceito!
—Mas nem falei! Eu ia convidá-la para um licor de anis...
—Veja, lá está a padaria Rubi. Olhe como as luzes despencam nas fagulhas de fulgores...
—Minha querida... hoje sua beleza interior está resplandecente...
—E quando se choca com a beleza exterior um alarido de cores e luzes abrilhantam a fonte dos olhares...
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!


ROSPO 2013 — 858
Marciano Vasques

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