domingo, 10 de fevereiro de 2013

AQUI

—Rospo!
 —Sapabela!Que vestidinho lindo!
 —Obrigado, amigo.

—Adorei os detalhes. Principalmente o rosa, e o verde...
—Verde? Verde sou eu, Rospo! Meu vestidinho é só rosa...
—Sou mesmo distraído. Mas, o que faz caminhando na calçada num domingo de parlenda tão lindo.? Veja! Até o Sol está pensando em surgir...
—Sim, sinta a maresia.
—Sapabela! Não estamos no litoral.
—Nem meu vestidinho tem detalhes verdes.
—Verdade, ás vezes nós só vemos o que desejamos. Gostaria de estar no litoral?
—Sim, mas tanho uma palavra mágica, que também sei, é a sua.
—Eu tenho várias, algumas produzem um efeito de forma mais imediata.
—Verdade, quer saber qual é a minha?
—Só se for agora. Adesso!
—Exibido. Sim, agora. A minha palavra mágica é AQUI!
—Que linda! Ela também é uma das minhas. Seu significado simbólico é profundo; se você não estiver feliz AQUI, de nada adiantará o AQUI...
—Isso mesmo. Temos que ser felizes exatamente no local onde estamos. Claro que a maioria dos sapos prefere estar na praia ou num sítio, que são lugares magníficos, naturalmente, até lembro que um dia você estava com o amigo WVM  na praia de Santos, na avenida da orla, e enquanto você dirigia, ele, ao apontar o azul e aquela paisagem, disse: "A Filosofia não é necessária."...
—Esse meu amigo sempre foi muito criativo. Mas, prossiga.
—Se o AQUI não for introjetado em você, o significado é que você não está feliz, e então, algo precisa de mudança. A mudança pode estar sendo necessária dentro de você, lá no fundo, onde é mais difícil pescar, alcançar.
—Pois não?
—Pode também, em última instância, estar no próprio AQUI, o que é sempre mais complicado.
—Explique um pouquinho, minha nega.
—Adoro isso, sinto-me a sapa mais feliz do mundo quando você diz assim: Essa é uma das amorosas expressões  da oralidade de nossos tesouros do cancioneiro da fala que se diz nas conversas impulsionadas pelas colheitas do café...
—Como é isso, das colheitas?
—O apuro do grão, e a conversa, ela mesmo, é o filtro, é o coar do café, é mais que isso, é o saborizar.
—Mande mais.
—Nas fumaças e na poeira, nos varais, e nas pontes dos miúdos córregos da periferia, nas várzeas, nos cantos aciganados, encontro essa expressão que é audaciosamente amorosa num mundo tão ríspido e rígido.
—Sapabela, hoje você está conversadeira. Estou ganhando o meu domingo logo cedo. Prossiga.
—Bem, o AQUI é mais complicado quando for portador da mudança  pelo fato de que mudança sempre exige atitude, coragem, vontade, ação...
—E então?
—E esbarra num dos adágios, num dos provérbios populares, e bem sabe, meu querido, nem sempre o que é provérbio é proverbial.
—Interessante.
—Sim, "Os incomodados que se mudem". Ora, já pensou?
—Pareceu uma lusitana agora.
—Não me dê tantas graças, amigo. O que quero dizer é que esse provérbio precisa de conserto.
—Adoro concertos!
—Pare com isso, Rospo! O que estou a dizer é que esse provérbio precisa de reparos, pois quem foi que disse que os incomodados é que devem se mudar?
—É verdade, às vezes quem incomoda é que deve se mudar, ou mudar-se, deve se mandar ou permanecer, modificado.
—Quase sempre. Mas, enfim, é isso:Ou você se sente feliz no AQUI ou algo precisa urgentemente de mudanças, seja no AQUI ou em sua própria alma, onde os reparos geralmente são mais difíceis, veja o que tem de livros de Auto - Ajuda, e coisas assim...
—Às vezes comparo alguns leitores de auto-ajuda ao sujeito que decide fazer exercícios físicos, como corrida e outros a após o exercício toma uma refrigerante gelado ou uma cerveja, no caso desses pouquíssimos leitores, o sujeito após ler mais um capítulo do livro, distraidamente liga a TV e assiste a programas tipo aquele Reality Show... Entendeu?
—Sim, compreendi, a reforma tem que ser geral, ampla e irrestrita: Toda reforma, toda mudança, tem que principiar no pensamento, que deve se tornar irmão da vontade. Só uma reforma do pensamento resolve...
—Que maravilha! Com isso podemos dizer que Ler um livro é algo mais longo, mais amplo, mais expansivo, ler um livro está além de ler, está na própria transformação que o leitor fará da leitura. A leitura tomará sua forma definitiva nas mudanças concretas que o livro promoverá na alma do leitor, a partir das próprias ações do leitor, sejam mentais ou físicas, pois vivemos numa sociedade pragmática e utilitária que eventualmente despreza as ações puramente mentais.
—Interessante. O que você falou sobre a leitura refere-se a todos os tipos de livros... Inclusive os de Literatura...
—Naturalmente.
—Rospo, estamos na Praça Azul. Pegando garupa em nossa conversa, vamos tomar uma garapa?
—Onde, Sapabela?
—AQUI.
—Aqui?
—Sim, Aqui...
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

ROSPO 2013    — 852

Marciano Vasques


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