domingo, 24 de março de 2013

CONVERSANDO NA ALVORADA

—Aeeeeeeeeeeeeeeeeeeeê!
—Sapabela, o que pode ser mais esplêndido e resplandecente para um sapo do que encontrar a sua amiga na alvorada dominical? Erga os pulmões, alise o tórax, e deixe entrar o domingo com toda a sua força de mil parlendas, de alegrias sem patrocínio.
—Rospo, está cheio de sapo perdendo isso. Aliás, seria bom se pudêssemos resgatar as coisas essenciais da vida. O perigo, que me assombra, pela sua visibilidade tão descarada é...
—Estou curioso, Sapabela, estou curioso. Prossiga!
—Sapo curioso já ganhou metade da estrada. Eu estava a dizer que, Rospo, lembrei-me de algo. Vá lá em casa!
—Já estou entrando...
—Estou falando sério, vá lá hoje que tenho licor de Jabuticaba...
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Rospo? Tudo isso é pelo licor?
—É pelo "entrar " também. 

—Rospo, por favor, poderia se comportar um pouquinho para que eu possa prosseguir?
—Que hora será?
—Que hora será, o quê?
—O licor de Jabuticabal...
—Jabuticaba, meu querido. À tarde, hoje estou tão alegre, uma alegria intraduzível, mas que no seu bojo tem cantoria de cordelistas, as múltiplas cores dos ciganos, a alegria de "Beatles", tem tudo de bom que nos ronda a vida,  e por mil vieses não nos regem. Posso prosseguir?
—Que demora, Sapabela!

—O que me assombra é a facilidade com que os sapos e as sapas se deixam tragar pelas incessantes intempéries do marasmo cotidiano. Lembre-se, meu querido. A lei do menor esforço vem com selo de permanência, de intocabilidade nas vidas.
—Sapabela, sabe que me esforço, mas quando uma fêmea chamada você resolve expôr o pensamento em suja inerência da velocidade espanto-me...Como algo tão brilhante e poderoso pôde ser sufocado, soterrado em dois mil anos?
—Mas agora, nego, ninguém me segura!
—Viva!
—Pois é, meu amigo. a tal lei do imobilismo ela tem uma característica ilusória, que é a garantia do conforto, mas se o sujeito acredita que conforto é para sentar ao sofá, ligar a TV e permanecer ali, deixe o pobre ser mesmo tragado pelo cotidiano. ..
—Eu gosto de sofá para...
—Rospo, não me interrompa, por favor, e respeite a plateia dos pequenos...
—Eu só ia falar do ócio contemplativo... 
—Bem sei, mas, concluindo: O sapo tem que erguer o seu mundo sonhado. É ele que vale. Você tem que garantir a sua suspensão do cotidiano. É ela que o favorecerá...
—Adoro esse verbo: favorecer. é um favo de mel puro que acontecerá, que facilitará o escoamento da vida que precisa acontecer... Favorecer é o acontecer de um favo. É o florescer da dialógica.
—Muito bem, meu grande.Mas é isso, nada se de deixar tragar nem soterrar, nem jamais entrar num túnel que lá no mais fundo subterrâneo se ramificará em mil vias de se imobilizar a alma. Erga-se: o cotidiano, se por acaso o sufoca, se o espreme, faça o seguinte: desfaça essa vocação para bagaço e vá a luta. Leve consigo a sua espada de mil luzes.
—Que espada é essa, Sapabela?
—Os seus sonhos, são eles que brilham e rebrilham, eles simbolizam a sua espada. Basta chegar e dizer: "Eu tenho sonhos!"
—Nossa! Pareceu Nietzsche, pela beleza do estilo de escrever no ar...
—Escrever no ar?
—É, falar.

—É só impressão, Rospo, o estilo é genuíno de Sapabela. Mas é claro que jamais nos livramos por completo de nossas leituras.
—Querida, que forma linda de alvorecer! Adorei encontrá-la agora cedo. Está esplêndida.
—Você vai ver à tarde com o licor de Jabuticaba.
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

ROSPO 2013 — 684

Marciano Vasques

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar neste blog