terça-feira, 21 de maio de 2013

A MENININHA E OS NAMORADOS

—Novamente!
—Novamente, o quê?
—Sapo! Outra vez? Pode se mandar?
—Nem cheguei!

—Qual é o problema?
—Estava beijando a sua namorada na boca, ardorosamente. 
—E daí?
—Viu quem está do seu lado? Por acaso reparou que ao seu lado está a irmãzinha dela? Uma sapinha ainda? Uma menininha? Gosta de livro infantil?
—Não sou mais criança!
—Já foi?
—Está tirando um sarro comigo?

—E gibi?
—Sapo, esqueci o seu nome.
—Esqueceu de bobeira. É Rospo.
—Pronto! Já está satisfeito? Pode ir agora?
—Compreendo que essencialmente o amor romântico tenha uma dose de egoísmo. Porém aprendi desde cedo que uma dose geralmente não faz mal. Ocorre que o amor não suporta a estupidez, não atingiu ainda um grau de idiotice tão imenso. O amor não é uma máquina de fazer alienados...
—Posso bater nele?
—Não, querido, é apenas um sapo qualquer.
—Quase acertou em tudo, só errou no "qualquer". Mas, e então? Não vai melhorar?
—Como é? Está perguntando pra ela ou pra mim?

—Tanto faz. Por acaso não sabe que melhorar só tem um efeito colateral?
—Qual?
—Faz bem para todos os que estão ao seu redor.
—Esse sapo já encheu!
—Está perturbando o meu namorado! Por que não diz logo o que quer?
—As marcas da infância são indeléveis.
—O que é isso? 
—Elas não se apagam por completo jamais.
—O que estamos fazendo de errado, sapo?
—Rospo, por gentileza.
—Então diga, seu Rospo!
—O que estão fazendo de errado é o beijo.
—É louco!
—No mundo de hoje a lucidez virou loucura.
—Qual o problema com o nosso beijo? É muito erótico? Perturbou você que não tem ninguém para beijar hoje?
—Isso, meu bem. Tasca nele!
—Olhe, vou dizer qual é o problema. Não posso competir com a cegueira.
—Diga logo, pois estou dando muita atenção para você.
—O problema é ela, aí, do seu lado.
—A menina?
—Sim, ela está constrangida. Não sabe onde esconder os olhos. Ela tem que passar por isso? A sua inconsequência, a sua insensatez faz isso?

—CHEGA!
—Quem beija também berra o grito dos tolos.
—Agora ele apanha!
—Já contou uma história de Andersen pra ela?
—Pra minha namorada?
—Pra menina!
—Não, não contei. Quem é esse cara?
—O que mais você não fez?

—Rospo, você está incomodado pelo fato que eu posso beijar a minha "mina" na hora que eu quiser, nos lugares que eu quiser.
—Meu querido. Está enganado. Um belo engano, por sinal. Você não pode beijar, da forma como beijava, a sua menina quando ela traz a irmãzinha dela para ficar ao lado.
—Essa menininha deve até assistir novela!
—Não justifique você pela multidão.
—Pode traduzir essa frase?
—Não, não posso. Mas, preste atenção: a menininha está ao seu lado e vocês num estendido beijo retorcido... E você não trouxe sequer um gibi para a pequena, nem um livro. Ora! É realmente muito romântico, não é? Pois eu digo: tem a namorada que merece!

—É moralista, Sapo?
—Não, querida, nem pensar. Mas, alguém já disse a você que a criatura mais pura do planeta é a menina?
—Não, ninguém disse.

—Mas alguém certamente já disse isso para o mundo.  Alguém que participou do rompimento da mudez para estabelecer o diálogo com a surdez....
—Sei lá do que está falando! Quem disse isso para o mundo?
—Que tal Nietzsche?
—Não foi esse cara que morreu louco?
—Bem, preciso ir. Mas, por favor, não prejudiquem a menina.
—Ninguém vai prejudicar ninguém com um beijo.
—O que mais quero é que todos os namorados sejam felizes. Aliás, quando as praças do mundo voltarem a ser dos namorados poderemos voltar a sonhar com um mundo feliz.
—Então, Rospo, viu? Namorados nas praças.
—Sim, e criancinhas também, menininhas.
—Meu Deus, não se pode nem namorar em paz!
—A paz de cada um não pode causar estragos no outro.
—Estragos? Amanhã ela nem vai lembrar desse beijo na boca, senhor Rospo!
—Pois é, antes fosse.

ROSPO 2103 —875
Marciano Vasques

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