terça-feira, 14 de maio de 2013

O QUE SE PERDE PARA SEMPRE

Na nervura da tarde um casual encontro:
—Sapabela! Saudades!
—Rospo, feliz demais por vê-lo!
—Sapabela, vamos...?
—Aceito!
—Nem terminei o convite! Como pode ter tanta confiança assim em mim?
—Rospo, sabe qual a única coisa que quando se perde jamais se encontra de volta?
—Não!
—A confiança! Perdeu, perdeu para sempre. Nunca mais será retomada. Adianta não vasculhar o fundo do rio, perseguir cordilheiras, atravessar vales... Pode procurar no mundo inteiro, nos dois mundos, e verá que não verá jamais...
—Sapabela, que dois mundos?
—O mundo tem duas dimensões, temos portanto, dois mundos. Um é o da memória, o mundo do Eu, no qual um vasto universo se agita todos os dias, a cada novo instante, e quando um instante passou, outro já chegou. E esse mundo prossegue, num turbilhão de sensações, de neurônios, neuroses, lágrimas, gargalhadas, desventuras e aventuras de ventanias num avental de sonhos ou dissabores que não se dissipam. Cada vida é um complexo universo que some na poeira, na fumaça, mas ficará para sempre na semeadura do inatingível Eu, onde tudo se mescla e os sentidos se fundem, pois tudo é imenso demais para se perder.
—Entendi.
—Rápido!
—Aprendi com Sapabela! Quero ser sempre rápido...
—Não diga bobagem, Rospo!
—Está bem, sua danadinha. Mas, compreendi. Tem dois mundos: o real, que é o mundo exterior, e o que está dentro de você, que é o da memória, dos sentimentos, o das histórias que precisam ser narradas. A vida que clama pelo destino literário.
—Muito bem. E assim é a confiança: Perdeu, perdeu para sempre. Jamais se recupera a confiança perdida.
—Bem radical isso, nega.
—Que saudades!
—Do que?
—Desse "nega"...
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Isso é bom demais da conta. É uma coisa tão amorosa...
—Pois então...
—Mas você parece que tem uma confiança cega...
—Tal coisa é profundamente pleonástica, Rospo! Não existe confiança cega. Existe confiança.
A confiança só age na luz. A confiança não é cega. E a fonte de confiança, aquele que gera a confiança, aquele que promove a fonte, esse deve se preocupar diariamente. Deve ser zeloso, cuidadoso, pois afinal ele é a fonte, a confiança é dele. A confiança é sempre um bumerangue. Quando você se torna uma fonte geradora de confiança, você está cativado por essa fonte, e se torna responsável por aquele que confia.
—E quem confia?
—Quem confia deve permanecer tranquilo. Quem deve viver a força sugadora da confiança é quem gerou a fonte da própria. Pois afinal, bem sabe agora, perdeu, perdeu.
——Os políticos não merecem confiança!
—Rospo, um belo corte, embora desnecessário aqui. Mas vamos lá: isso é um estereótipo. Tem político que merece sim a confiança da população do brejo.
—Cadê? Cadê? Onde estão esses políticos?
—Rospo, vai dar muito trabalho ficar procurando um agora, mas sei que eles existem sim. Porém. para fechar a conversa, quero dizer que a confiança plena também é uma ideia pleonástica, pois confiança é ou não é. Não existe esse negócio de plena. Ou confia ou não confia. No mais, é como eu disse: Perdeu, dançou. Vai ver escapar entre os dedos o mais precioso tesouro. Quem deixou de confiar vai sofrer com a desilusão, mas a perda incomparável, a medonha perda, essa é de quem gerou a fonte da confiança. Esse vai amargar uma perda sem retorno.
—Sapabela, que coisa! Deixe-me agora completar o convite: vamos tomar um licorzinho de anis?
—Vamos! Um licorzinho hoje abre as luzes outonais de junho, que anunciam a força junina da nova estação que aporta...
—Sapabela, como estou feliz! Chegamos! A padaria Rubi está brilhante. As luzes cacheadas num alegre esplendor. Será que outros sapos estão vendo assim?
—Dividir a felicidade é o maior ensinamento da Filosofia, Rospo, mas esperar que o conceito de felicidade esteja em cada coração da mesma forma, é pois acreditar que se possa uniformizar aquilo que é universalmente livre...

ROSPO 2013 —874
Marciano Vasques


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