segunda-feira, 22 de julho de 2013

CONVERSANDO NA NOITE FRIA

—Rospo! Que frio! E nem um cachecol está usando! Aonde vai?
—Sapabela! Por acaso estou indo até a Magnólia. E você?
—Eu? Eu estou por aí. Resolvi curtir um pouco de calçada. Vou com você.
—E a sua amiga apaixonada pelo "Depois"?
—Sei não, o que ando pressentindo é que o "Depois" tomará o melhor da vida dela... 
—O "Depois" sempre toma. Sabe como é: vai adiando, adiando, sem saber que a vida não é adiável, a vida é como o tempo: perdeu, perdeu. Temos que intensamente viver o presente, levar adiante o que nos seduz... 
—Tudo que se nos apresenta no instante é para ser vivido, não é? As alegrias, as oportunidades... Muita vida já deixei de viver quando era uma sapinha adolescente, bem tímida, Perdi muita vida... Rospo!... Um olhar distraído, o chamamento do amor, da poesia... Tanta generosidade, tantos rostos...
—Rospos?
—Rostos! Mas, veja só, eu fui iludida por mim, aquela que me impediu de ser completamente feliz, por causa da timidez... Hoje isso passou, e compreendi que fez parte do aprendizado da minha alma... Alma que almejava ser feliz... mas resistia aos chamamentos pela impossível timidez...
—Sapabela, quase nunca fala de seu passado...
—Entre nós, amigo, o presente é a força extraordinária do viver, da poesia do mundo, da arte que resiste e explode em mil cores, sons, luzes, e coloridos... E ela nos salva... Quem salvará o mundo são os artistas...
—Eu sei.
—Se fosse possível se viver num mundo que não necessitasse de tanto militar... Mas, bem sabe, meu querido... nenhuma utopia se aconchega em meu coração, que, não se esqueça, é o eixo de todas as andanças, e danças, e alegrias que encharcam a minha vida...
—Fica inspirada no frio. Sim, menos soldados... Mas aprendi, querida, que o mundo ideal não é o mais interessante, entendeu? 
—Não!
—Eu chego lá. O mundo interessante é aquele que nos completa a cada dia, mundo de prantos, de injustiças, de dores, de risos, gargalhadas, festas, abraços, esperanças, ternuras... É nesse mundo maravilhoso que nos movemos e é nele que cada um que aprendeu a cultivar a consciência, luta incessantemente para que os outros sejam felizes. Essa é a nossa maior glória: dedicar as nossas forças, a nossa energia, a nossa vida para que o outro seja feliz.
—É mesmo?
—Sim, minha querida... 
—Novamente.
—O que?
—Falou "Minha querida". O frio é bom. Por isso que ele é bom.
—Pois é, mas, o outro é o objetivo maior e o grande centro da vida.
—Tem certeza?
—Veja só: sei que ninguém tem tempo. Tantas ocupações, e ainda o Facebook, tanta coisa!, como vai ter tempo para refletir?... Mas... todas as atividades humanas do Sapo é para o outro... Tanto no bem quanto no mal... A tendência de se fazer mal é sempre contra o outro, claro que aí entra o tal bumerangue e o sapo que faz o mal para o outro está fazendo para si mesmo...E tem mais, veja no bem: tudo, tudo, tudo que a Ciência fez foi pensando no outro. Por acaso já pensou que acende a lâmpada com um toque no interruptor? E que sacrifício era para o escritor!, e agora, diante da tela, tudo ficou mais fácil, e os cientistas que se debruçam noites e noites e dias e dias tentando encontrar a cura de alguma doença, sabendo que farão isso para a futura geração, pois os beneficiados nem sempre são os próprios, mas aqueles que virão...
—A Ciência causou danos também...
—Nem fale isso, querida, e nem pense nisso. Pense que a Ciência é um bem... Sempre... Sobre o mal é uma questão de Educação, de educar o sapo... É a falta de rigor na compreensão de que todo aquele que prejudica precisa pagar pelo mal... Seja um ditador, ou um sapo do povoado... Porém, que maravilha é a Ciência! Quanto bem! Quanta felicidade! Antes que diga que avião joga bomba, pense que o poder é que faz isso, o poder e seus tentáculos gananciosos. Da janelinha do trem poderá talvez sentir com mais propriedade e força o quanto de bem a Ciência já fez ao mundo... Pois esse é o seu objetivo... O mal será sempre um desvio... A invenção do plástico reduziu o sofrimento medonho dos elefantes, pois até os cabos das facas eram de marfim, porém se elefantes ainda sofrem, isso é uma outra questão, é a questão principal, acima de todas. Só com educação se reduz as trevas, e o sofrimento do mundo. Educação é a única alternativa.
—Curioso, meu amigo...
—O que, querida?
—Oba! Novamente!
—Você é muito engraçada.
—Você falando essas coisas... É um poeta, e argumenta um assunto das exatas, fala da Ciência... Que produz avião, remédios...
—E o laser que projeta o poema na noite da cidade. Ora, Sapabela, não vejo um só respingo de contradição. O poeta é um amante da vida... Ele é o mais perfeito amante, embora, bem saiba, a perfeição é apenas um jeito de se tentar melhorar... Mas o poeta, que ama a vida, e só pela vida se interessa, certamente ama a Ciência. Não há contradição.
—Vou ter a insônia da conversa hoje.
—É assim que tem que ser: a conversa deve ser levada para todos os lugares...e até para a cama...
—Para o sofá...
—Sapabela!
—Rospo, chegamos. Ela chegou!
—Magnólia! 
—Amigo, hoje só o licor de anis!
—Yupiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
—Assanhei!...

ROSPO 2013 — 885


Marciano Vasques

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